domingo, 29 de janeiro de 2023
Coisas que inspiram
Crônica contemplada na antologia de crônicas do Prêmio OFF FLIP 2022
COISAS QUE INSPIRAM
Num
dia de caminhada pelo quarteirão, vi dois meninos juntando embalagens e outros
materiais que os descuidados jogam nas beiras das ruas. Os garotos, munidos de
garfos compridos, catavam os resíduos uma a um. Graças ao comprimento do garfo,
conseguiam catar coisas jogadas a grande distância das beiras. Faziam a catação
com o maior requinte. Depositavam em sacos cada espécie de resíduo, conforme
fossem lata, plástico, papel ou vidro.
Interrompi a caminhada para contemplá-los. Os
meninos brilhavam sob o sol de setembro.
Aproximei-me e perguntei se a catação era uma tarefa da escola. Disseram
que não. Estavam fazendo o trabalho por gosto mesmo, por vontade de ver o
quarteirão limpo: “porque a rua limpa é mais legal e mais bonita”. Também indaguei se faziam isso sempre. Responderam que aquela era a quarta limpeza
que faziam. Dei-lhe muitos e alegres parabéns pela atitude. Agradeci em nome de
todos os moradores das imediações, inclusive dos mal-educados que atiram carqueramas
nas ruas da cidade.
Depois disto continuei a caminhada em direção
ao morro de Mariscal. Quando voltei os meninos tinham sumido da paisagem. O
quarteirão estava limpo e brilhando. Os meninos, com seus maravilhosos garfos
ecológicos, deram uma lição de beleza e cidadania. Atitudes sensíveis como esta
renovam a esperança em dias melhores na face da terra, dias em que a vida seja
valorizada, a vida, a vida reinventada como diz a profecia poética de Cecília
Meireles.
Em vários pontos deste mundo, meninos e
meninas admiráveis, como estes garotos de minha cidade, praticam atos anônimos
de amor e cuidados pelo outro, seja o
outro bicho, gente, planta, água, florestas... Tenho notícias de pequenos
cidadãos criando bibliotecas nos lugares mais inóspitos, fazendo trabalhos em
hospitais e casas de idosos, alfabetizando pessoas, plantando árvores em
terrenos devastados, promovendo campanhas pela paz, lendo para pessoas com
deficiência visual, ajudando colegas com dificuldades na escola, anônimas ações que brilham em meio ao caos e
à barbárie de nossos dias tão marcados por crueldades contra o outro.
Torço para que estes pequenos cidadãos se multipliquem, se tornem uma legião muito
mais forte e poderosa do que a dos
adeptos do bullyng e de toda espécie de
crueldade contra os viventes. Que a luz
destes pequenos paladinos resplandeça e contamine o mundo com a palma da
delicadeza e a alegria do bem-querer.