Coordenação conjunta com Christian David
AEILIJ – Regional RS
Publicada no Boletim da AEILIJ, na edição de novembro de 2011
Uma entrevista que vale a pena conferir!
Jornalista formada pela PUC/RS e produtora cultural, Sônia Zanchetta integra a comissão executiva da Feira do livro de Porto Alegre desde 1997. Coordena a área Infantil e Juvenil e o ciclo A Hora do Educador do evento, além da área internacional. Sua equipe se ocupa, ainda, dos programas Adote um Escritor ( parceria SMED Porto Alegre), Lendo pra Valer ( parceria Secretaria de Estado da Educação) e Fome de Ler ( parceria cursos de Letras ULBRA Guaíba e Canoas, prefeituras de Canoas e de doze municípios da Região Centro-Sul do Estado e Rede ULBRA de Escolas).
AEILIJ – Sônia, fale um pouco sobre esta paixão que te impulsiona para toda uma dedicação e empenho nas ações voltadas à literatura infantil e infantojuvenil no Estado.
Sônia Zanchetta - Minha
paixão pela leitura e pela literatura começou cedo, antes mesmo de eu ir à
escola, pois tive a sorte de vir ao mundo em uma família que dava valor aos
livros.
Minha mãe havia
guardado, “para quando tivesse filhos”, duas preciosidades: a coleção completa
de Monteiro Lobato e os 18 volumes do
Thesouro da Juventude. Apesar da ortografia ultrapassada, li e reli inúmeras
vezes todas as histórias daqueles livros. E isso não me dificultou em nada a
aprendizagem da Língua Portuguesa; ao contrário, fez com que passasse a amar a
leitura e a escrita. Por isto, não consigo aceitar que livros sejam triturados
ou doados para reciclagem cada vez que há uma reforma ortográfica.
Meu pai, que havia
frequentado a escola por apenas três anos, redescobriu o prazer da leitura
junto conosco, quando começou a febre das enciclopédias. Passava horas
mergulhado naqueles livros e, de vez em quando, levantava os olhos e nos chamava
para contar algo interessante que acabara de descobrir. Ali estava a prova de
que uma pessoa que sai da escola plenamente alfabetizada pode seguir aprendendo
por conta própria até o fim de seus dias.
AEILIJ – Tens encontrado, com certeza, alguns desafios no desenvolvimento de projetos que visam incrementar a leitura entre crianças e jovens. Dentre eles, qual o maior desafio?
SZ – Creio que o maior desafio está, justamente em se promover a valorização da
leitura no imaginário coletivo. Quando a família, a escola, o poder público e a
sociedade como um todo entendem a importância da leitura, a coisas começam a
andar.
Através do meu trabalho
na Câmara Rio-Grandense do livro, tenho acompanhado vários programas e projetos
de leitura desenvolvidos no Estado. Não conheço nenhum caso em que o começo
tenha sido fácil. Em termos gerais, é preciso muita persistência e uma grande
capacidade de persuasão para fazer um gestor público destinar verbas em volume
suficiente para esta área.
Menos mal que esta
situação começa a se reverter em vários municípios gaúchos, que construíram
políticas públicas claras e consistentes para o livro e a leitura, tornando-se
referência em nível nacional.
AEILIJ – E na Feira do Livro de Porto Alegre que acontece a cada ano, na área infantil, podes citar as questões mais desafiadoras?
SZ – Um dos maiores desafios que a equipe da Área Infantil e
Juvenil enfrenta é o de sensibilizar para que a Feira seja compreendida como o
ponto culminante, mas não final, de um processo sério e contínuo de formação e
qualificação de leitores. Ao agendarem suas turmas para encontros com
escritores e ilustradores de LIJ, os professores assumem o compromisso de
promover a leitura prévia de ao menos uma obra de sua autoria por todos os
alunos e por todos os adultos que os acompanharão na visita à Feira.
A feira é a grande
festa do livro. Além de participarem das atividades oferecidas pela
programação, as escolas encontram, ali, espaço para mostrar o trabalho
desenvolvido, ao longo do ano, nas áreas da leitura e da escrita. Para acolher
esta produção, foram criados o teatro Território das Escolas; o Largo da
Escrita, onde ocorrem sessões de autógrafos, e a Vitrina da leitura, que dá
visibilidade a projetos que se destacam por sua consistência, constância e caráter
inovador. Há escolas que levam à Feira centenas de membros da comunidade
escolar, o que é fundamental para reforçar a importância da leitura no contexto
familiar. Mas é preciso, também, qualificar os professores como leitores e
mediadores da leitura. Com este
objetivo, a CRL realiza ou apoia a realização, ao longo do ano, de vários
encontros que têm sua culminância na Feira, com o ciclo A Hora do Educador.
Este ano ( 2011) estão previstos nove seminários, além de várias oficinas e
palestras independentes.
AEILIJ – Consideras que as novas tecnologias ajudam ou afastam os pequenos e os jovens da leitura? Onde, na tua opinião, é possível a leitura se coadunar às novas tecnologias ou, se for o caso, prevenir o afastamento?
SZ – Embora o livro de papel continue sendo o único suporte de
leitura em boa parte das escolas brasileiras e tudo indique que terá uma longa
vida, é essencial que os professores se preparem para tirar proveito das novas
tecnologias, que tanta curiosidade despertam entre seus alunos.
Não basta equipar as
escolas com laboratórios de informática, telecentros ou salas de aula do
futuro. É preciso romper a resistência de muitos professores com relação a seu
uso, fazendo com que se conectem ao tempo de seus alunos. Só assim poderão
fazer a mediação necessária para que seus alunos se tornem aptos não só a
consumir, mas também a criticar e a produzir conteúdos digitais.
AEILIJ – Vimos acompanhando expressivo aumento do número de obras direcionadas à infância e juventude no âmbito da literatura gaúcha. Até onde tal fato é promissor e significativo de qualidade?
SZ – A LIJ produzida no RS
deu um salto de qualidade incontestável nos últimos tempos. Autores gaúchos de
LIJ circulam com desenvoltura nos grandes eventos literários do país; tem obras
selecionadas pelo PNBE e por outros programas de aquisição; conquistam prêmios
importantes, espaços na mídia especializada e nas estantes das megalivrarias.
Há algum tempo, podemos
observar na Área Infantil e Juvenil da Feira do Livro de Porto Alegre a atuação
de “olheiros” de editoras do centro do país, que vem conhecer de perto os
nossos autores.
Mas é essencial que as
escolas adotem critérios claros para a aquisição de acervo e adoção de obras a
serem lidas por seus alunos, pois,
nestes tempos em que é tão fácil publicar um livro, abundam também os
textos de baixa ou nenhuma qualidade literária.
AEILIJ – Neste momento profícuo para a literatura infantil e
infanto-juvenil, vês visibilidade para os novos – tanto escritores como
ilustradores?
SZ – Aqui no Sul há poucas editoras que apostam na publicação de
LIJ com recursos próprios, o que dificulta
a entrada de novos autores no mercado e, no caso das obras publicadas de
forma independente, mesmo que seja incontestável sua qualidade, a distribuição
costuma ser bastante difícil. No entanto, temos o exemplo de autores que
surgiram através de concursos literários ou que construíram sua reputação
literária na internet e, só depois de terem conquistado uma legião de leitores,
foram em busca de uma editora ou publicaram um livro de forma independente.
Oficinas literárias ministradas por grandes escritores, como Luiz Antônio de
Assis Brasil e Charles Kiefer, entre outros, também têm contribuído de forma
decisiva para o surgimento e a qualificação de autores no RS. Atualmente
contamos com excelentes ilustradores no RS, mas, também no seu caso, o começo
não é fácil, sobretudo pela escassez de editoras especializadas em LIJ.
AEILIJ – Ainda, no que se refere à obra literária de qualidade, como vês a atual profissionalização de escritores e ilustradores? A AEILIJ pode auxiliar na profissionalização destes autores de texto e ilustração? De que maneira?
SZ – A AEILIJ vem colaborando para a profissionalização de
escritores e ilustradores associados ou não, através da promoção de debates e
reflexões sobre a questão da produção e da leitura de LIJ. É o caso do
seminário POR UM ESPAÇO ESPECIAL PARA A LITERATURA NA ESCOLA, que terá sua terceira
edição de 8 a 10 de novembro, na 57ª Feira do livro de Porto Alegre.
Mas, no RS, e provavelmente em vários outros
estados, seria importante que a entidade pudesse promover, também, oficinas de
criação, ministradas por ilustradores ou escritores de renome, visando a
profissionalização de novos autores.