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Coisas que inspiram



                                                    

                  Crônica contemplada na antologia de crônicas do Prêmio OFF FLIP 2022

                                                   

                                               COISAS QUE INSPIRAM


Num dia de caminhada pelo quarteirão, vi dois meninos juntando embalagens e outros materiais que os descuidados jogam nas beiras das ruas. Os garotos, munidos de garfos compridos, catavam os resíduos uma a um. Graças ao comprimento do garfo, conseguiam catar coisas jogadas a grande distância das beiras. Faziam a catação com o maior requinte. Depositavam em sacos cada espécie de resíduo, conforme fossem lata, plástico, papel ou vidro.

 Interrompi a caminhada para contemplá-los. Os meninos brilhavam sob o sol de setembro.   Aproximei-me e perguntei se a catação era uma tarefa da escola. Disseram que não. Estavam fazendo o trabalho por gosto mesmo, por vontade de ver o quarteirão limpo: “porque a rua limpa é mais legal e mais bonita”.  Também indaguei se faziam isso sempre.  Responderam que aquela era a quarta limpeza que faziam. Dei-lhe muitos e alegres parabéns pela atitude. Agradeci em nome de todos os moradores das imediações, inclusive dos mal-educados que atiram carqueramas nas ruas da cidade.

  Depois disto continuei a caminhada em direção ao morro de Mariscal. Quando voltei os meninos tinham sumido da paisagem. O quarteirão estava limpo e brilhando. Os meninos, com seus maravilhosos garfos ecológicos, deram uma lição de beleza e cidadania. Atitudes sensíveis como esta renovam a esperança em dias melhores na face da terra, dias em que a vida seja valorizada, a vida, a vida reinventada como diz a profecia poética de Cecília Meireles.

  Em vários pontos deste mundo, meninos e meninas admiráveis, como estes garotos de minha cidade, praticam atos anônimos de amor e cuidados  pelo outro, seja o outro bicho, gente, planta, água, florestas... Tenho notícias de pequenos cidadãos criando bibliotecas nos lugares mais inóspitos, fazendo trabalhos em hospitais e casas de idosos, alfabetizando pessoas, plantando árvores em terrenos devastados, promovendo campanhas pela paz, lendo para pessoas com deficiência visual, ajudando colegas com dificuldades na escola,   anônimas ações que brilham em meio ao caos e à barbárie de nossos dias tão marcados por crueldades contra o outro.

  Torço para que estes pequenos cidadãos  se multipliquem, se tornem uma legião muito mais forte e poderosa do que a  dos adeptos do bullyng e de  toda espécie de crueldade contra os viventes.  Que a luz destes pequenos paladinos resplandeça e contamine o mundo com a palma da delicadeza e a alegria do bem-querer.