terça-feira, 30 de junho de 2015

Leia comigo!

                           
                     
Professora Joelma Magrineli Susin e a filha Eduarda - leitura compartilhada do livro Beatriz em trânsito.


Capítulo: Adeus, Sam!  ( Páginas 53-55)

Samuel não chegou  a ler o que escrevi em resposta a este seu último e-mail.  De vez em quando releio tudo que escrevemos um ao outro, e posso ouvir ele dizer, de viva voz, o que tá escrito. Meu ouvido fica escutando, escutando a voz boa do Sam me contando ou explicando coisas de livros e de gentes, e dos progressos dele com as pernas.
  Sento na varanda pra esperar a boca da noite soltar os pirilampos pra passearem. Nunca vieram tantos pirilampos como agora, como coisa que querem me ajudar a tomar conta da saudade de Sam.
  Às vezes me sento na varanda e imagino o Sam chegando, ele sozinho, sem a cadeira, em cima dos dois pés. A gente se abraça e ri um monte.  E ele diz: eu não disse que eu já vinha? E aí vai vindo todo mundo ver que algazarra é aquela na varanda e fazem a maior festa pro Samuel. Fazem tanta pergunta que eu tenho que dizer, calma, gente, o Sam vai ficar as férias todas aqui, perguntem devagar, por favor.
  Depois correm todos buscar algum agrado pro Samuel; meu tio Pedro traz um prato de uvas pretas, o Eduardo traz carambolas, a minha vó oferece bolo, a Leonor corre botar a rede pra ele descansar da viagem longa. A Rosana chega da cidade, pula da caminhonete e abraça o Sam com altos risos de alegria de chegada; ele até se atrapalha com tanta atenção. Depois a gente bota a bagagem dele num canto da sala, sai correndo pra lagoa verde e só volta quando escurece. E todo dia é a mesma coisa: só voltamos pra casa pra fazer as refeições.
  Ou se não, ele aparece nos meus sonhos; vem andando e rindo, e me abraça e pergunta de todo mundo. No sonho, ele tá vivo, e eu nem lembro que ele foi atropelado, em cima da faixa de pedestres, por um motorista bêbado; nem que ele e as muletas voaram para longe.
  _ Você não respondeu meu último e-mail – ele me diz.
  _  Respondi, sim, mas o aparelho tava ruim, não tava enviando as mensagens, e a resposta tá guardada na caixa de saída.
  _ Você  vai deixar essa mensagem na caixa de saída pra sempre, Bia? Voc~e precisa dar um jeito de mandar ela pra mim.
  Aí conto que li O Jardim Secreto que ele citou no e-mail e falo do tanto que esse livro cobre a gente de verde, de pétala de rosa, de canto de passarinho, de música de abelha, de cheiro de flor silvestre...
  _ Ah, que bom que você leu esse livro, Beatriz! Eu tô indo embora justamente pra esse jardim secreto.
  _ Como? Se o jardim secreto é do Colin, do Bem, da Mary e do Dickon?
  _ Eu li o livro, então, o jardim secreto é meu também.
  _ Você não volta nunca mais?
  _ Nunca mais!
  _ Ah, não, não pode ser pra  nunca mais. Tinha que ser só de passagem... “ a passagem dá passagem, mas é só de passagem”, você não lembra?
  _ É quer agora vou viver pra sempre, Bia, então escolhi morar num jardim secreto, entende? Me diga: existe melhor lugar pra se viver pra sempre do que um jardim secreto?
  _ É, acho que não existe mesmo. No dia em que eu for viver pra sempre eu também vou escolher um jardim secreto pra morar, e aí a gente vai poder se encontrar de novo, não é?
  _ Sim, vamos nos encontrar no jardim secreto um dia... Até lá, procure ser feliz, Bia, e não esqueça tudo que conversamos. Sabe aquela tua ideia de ser arquiteta pra arquitetar umas coisas legais para as pessoas com deficiência poderem ir e vir no mundo? Se você virar mesmo arquiteta, não esqueça disso, tá?
  _ Não vou esquecer. Nem que eu não vire arquiteta, eu nunca vou esquecer, Sam. Você promete vir, de vez em quando, contar como é viver num jardim eterno?
  _ Prometo que  venho. Você vai ouvir a flauta... aí vai saber que sou eu que tô vindo...
  _ A flauta?
  _ É. A flauta do Dickon, de encantar animais. Vou aprender a encantar animais, principalmente os que mais me encantam, que nem as cutias e os esquilos.
  O Sam vai indo, e dando tchau com a cara de “que pena que a gente tem que se separar” e vai sumindo, sumindo no final do meu sonho.


BOCHECO, Eloí Elisabete. Beatriz em trânsito. Belo Horizonte: Dimensão, 2006, P. 53-55

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