quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Se esta rua, se esta rua fosse minha....


 
RUA ÂMBAR  no Jornal NOTÍCIAS DO DIA - matéria assinada pela jornalista Edinara Kley de Florianópolis/SC.
Para formular a matéria, a jornalista me enviou uma pequena entrevista, que transcrevo abaixo. Ela contou que leu o livro com seu filho de 9 anos e os dois curtiram muito o passeio pela Âmbar. Adorei saber que meu livro caiu nas mãos de uma jornalista,  grande leitora,  e mãe-leitora.
 

 Edinara - De onde e quando surgiu a inspiração para a história do Miro e suas criações?

Eloí -  Certa vez, vi uma matéria na tv  sobre um menino que fazia miniaturas de latinhas recicláveis. O menino era encantador e suas criações eram perfeitas. Nunca mais esqueci a cena do garoto  fabricando  minúsculos objetos, todos irretocáveis. De um certo modo, Miro – Valdomiro Silveira – personagem de Rua Âmbar, surgiu dessa lembrança que ficou gravada na memória. Inventar o personagem foi o primeiro passo.  Depois,  Miro  toma posse da história e puxa o carro da fantasia, dando voz lírica  às miniaturas que inventa, ou explorando os recantos mágicos de sua rua de infância.

Edinara - Rua Âmbar tem uma mistura de vários elementos que encantam crianças (e adultos): miniaturas, mar, casas mal assombradas, bichos falantes, perda... Foi proposital essa junção?

Eloí - Não foi planejado, mas acabou acontecendo de se juntarem no mesmo movimento coisas que me encantam, como miniaturas de objetos, casas mal assombradas, bichos que falam nas histórias, ruas da infância,  o mar da costa esmeralda de SC.  A dor da perda é um sentimento que me toca muito. É um tema tão humano e inevitável. Em Rua Âmbar e em outros livros que escrevi ( Tua Mão na Minha, Beatriz em Trânsito, Casa de Consertos) acontecem perdas e os personagens têm que lidar com elas como podem. No caso de Miro, a fantasia  o auxilia na acomodação da dor para a vida brotar de novo e prosseguir, apesar do sofrimento causado pela perda do pai.

Edinara - Apesar de se tratar de uma ficção, você usou uma localidade real de Santa Catarina. Há algum motivo em especial, além do fato de estar na cidade onde mora?

Eloí - Escolhi como cenário  a praia de Mariscal porque é um lugar mágico, que me encanta há mais de trinta anos. Achei que seria um lugar muito apropriado para o menino  Miro morar e cultivar sua arte, seus amigos, suas fantasias e brincadeiras.

Edinara - A Rua Âmbar existe mesmo em Mariscal? Se existe, é da forma descrita no livro?


 A Rua Âmbar existe, sim, mas não da forma descrita no livro. É uma rua do mundo real, mas,  reeencantada, digamos assim. Passada pelo sonho, pela imaginação e apresentada em “outro estado” -  não mais  no “estado” de todos os dias.

Donde se conclui que, doravante, a Rua Âmbar, em Mariscal, tem duas vidas: uma real e outra de sonho. “O que é de verdade, para ter graça, tem de ser sonhado” – dissera a Miro a moça da casa creme, P.6

Edinara - Como surgiu a parceria com a ilustradora Márcia Cardeal? Já haviam trabalhado juntas antes?

Eloí - Há muito tempo eu acalentava o sonho de fazer um trabalho com Márcia Cardeal e a oportunidade chegou quando a editora Saraiva/Formato me  pediu a indicação de um ilustrador de Santa Catarina para ilustrar Rua Âmbar. Indiquei vivamente o nome de  Marcia Cardeal e, para minha alegria,  a indicação foi aceita.
Márcia veio em minha casa ( uma honra enorme) para conversarmos sobre as ilustrações  e fomos a Mariscal fotografar o cenário da obra. Uma visita emocionante, mágica e inesquecível, que marcou para sempre a história deste livro.
A  parceria com Márcia Cardeal foi maravilhosa  e o resultado   pode ser conferido “passeando” pela Rua Âmbar ( a de sonho).
 
Edinara - Em seus trabalhos anteriores a Bruxinha Elisa foi a grande estrela das histórias, em Rua Âmbar, embora de forma mais rápida também aparece uma bruxa. Há alguma relação entre elas? Ou entre você e esse personagem?

São bruxas em contextos diferentes.  Ambas no pleno exercício de suas  bruxidades. A bruxinha Elisa é uma bruxa-menina, bruxa-criança, moradora da mata funda.  A bruxa da costa esmeralda é uma bruxa do mar – diferente, em alguns pontos, das bruxas ditas “normais” ou tradicionais. É uma bruxa “misturada” – com o bem e o mal tramando nas entranhas. Sua passagem pela Âmbar é rápida, contudo, ajudou a compor o movimento na casa assombrada e deixou Miro bastante impressionado, por já tê-la visto num livro antigo sobre bruxas da costa esmeralda.
 
 

 

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Uma história de pertencimento e memória

 
 
Miro – Valdomiro Silveira –  é dono de uma "fábrica" de miniaturas, feitas com latinhas recicláveis. A fábrica toda cabe em duas caixas, que o menino guarda embaixo da cama. Inventar as miniaturas,  a partir das latinhas, é uma grande felicidade para Miro. Ele é  capaz de passar horas trabalhando nas peças para deixá-las irretocáveis.
Num segundo movimento de criação, ele  promove o  encantamento das miniaturas. Com o sopro da imaginação, anima os objetos criados e lhes imprime vida própria. De posse dessa vida poética, as  miniaturas conversam e tramam histórias sobre si mesmas e sobre seu criador.
Há um bule que já morou no fundo do mar, um jarro que vivia bordado em uma cortina, uma concha que foi um  pensamento do Miro que caiu no mar e virou concha, uma mala que pertenceu a um colecionador de sombras, a um pesquisador de suspiros de jardim,  a um capturador e assoprador de palavras, dentre outros donos ( a mala só não carregou roupas).
Quando Miro enfrenta a perda do pai, em um naufrágio no alto-mar, as miniaturas participam como coadjuvantes simbólicas na elaboração do sofrimento e da saudade do menino.
As conversas entre as miniaturas sempre são interrompidas pelo grito da realidade que  vem por meio da mãe, chamando-o para as lidas do cotidiano : “Mirooooo, desça, o café tá na mesa!” “Miroooo, venha ajudar seu pai”... Miroooo, fiz queijadinha...” Mirooooo, teus amigos estão aqui!”...

As miniaturas são apenas uma parte das vivências mágicas do livro. Miro mora na Rua Ametista, porém, a rua preferida dele  é a Âmbar.
A  Âmbar tem as frutas mais doces do bairro, a casa assombrada onde moram a tainha, a cobra que passa a vida se transfomando em “outros” para fazer a experiência da outridade, a formiga que queria cantar como uma cigarra, a rã que queria namorar um cachorro,  e a bruxa da costa esmeralda – uma bruxa diferente e  no exercício pleno de sua bruxidade.  Também ficam na Âmbar  a casa 109, dos amigos Quin, Isa e Matita, e  a casa creme da moça que ajudou Miro a se alfabetizar.

Rua Âmbar é uma história de pertencimento e memória.  Miro poderá se mudar de Mariscal, um dia, mas levará a Âmbar para onde for. Será sempre o chão sagrado que ele vai pisar para sempre, “pois levamos as ruas, as casas, as paisagens de nossa infância para onde quer que  formos”. 
 
 

Onde encontrar:      http://www.livrariasaraiva.com.br/


Blog do livro RUA ÂMBAR:    

http://livroruaambar.blogspot.com.br/


sexta-feira, 26 de julho de 2013

"Roda vida, roda viva, roda pião"...

 


Os músicos Bruno Andrade Fachin e Priscila Schaucoski musicaram o poema UNI...DUNI...TÉIA, que faz parte de meu primeiro livro editado. O poema Uni..Duni..Téia foi escrito em homenagem à minha sobrinha  Araceli ( Téia* para os íntimos) no dia em que ela partiu de sua cidade natal para outra localidade.
Passaram-se quinze anos desde então. Téia cresceu, casou-se e teve dois filhos. Hoje em dia,  lê para os filhos o poema que foi inspirado em um acontecimento de sua infância. Uma escritura que curti muito, uma lembrança que me marcou para sempre.

Para ouvir o poema musicado, siga o link:

https://sites.google.com/site/tudopoetico/system/app/pages/admin/attachments?pli=1




*Téia - com acento


segunda-feira, 24 de junho de 2013

Memória, Lembranças, afetos


                                
                                                         Resenha


(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

 Nós não somos os criadores de nossas ideias, mas apenas seus porta-vozes; são elas que nos dão forma... e cada um de nós carrega a tocha que no fim do caminho outro levará.    (Carl Gustav Jung. Memórias, Sonhos, Reflexôes)

 Na Introdução do livro “Memórias, Sonhos, Reflexões”, uma autobiografia de Carl Gustav Jung, Aniella Jaffé afirma que depois de um período de inquietação interior, Jung sentiu que emergiram imagens de sua infância há muito submersas e resolvera escrever sobre esse  período da sua vida. A princípio mostrou-se “reservado e reticente”, depois começou a falar com interesse sobre si próprio, sua formação, seus sonhos e pensamentos. E o livro abrangeu não apenas a infância, mas outras fases de sua vida.
Na literatura infantil, encontramos muitos autores que escrevem sobre a infância e se utilizam de artifícios que procuram esconder o caráter autobiográfico do livro. Dentro desse universo, citamos Marcus Accioly e o livro “Guriatã: um cordel para menino”. Somente descobrimos que é um relato da sua própria infância quando lemos as Notas que aparecem após o longo poema. .

De Eloí Bocheco, recebemos “Tua mão na minha” (Ed. Habilis, 2012), com ilustrações de Walter Moreira Santos. A autora afirma que esta história foi “brotada dos desvãos da memória afetiva e das mais caras lembranças de minha infância no campo.”.

A menina Dúnia é a protagonista da história, todos os dias vai buscar água no poço. Ela mora distante e é necessário fazer pausas para descansar, o balde é muito pesado.  No caminho entra na casa da avó, dá-lhe um beijo e um abraço e volta logo, ela tem pressa. Essa caminhada do poço até a casa da mãe é motivo para devaneios – ela brinca com a água, traz pedrinhas do fundo do poço e peixinhos dourados nadam na água do balde.   
Há certos serviços domésticos que Dúnia não gosta de fazer – varrer o terreiro, lavar a louça do café. Nessas ocasiões, esconde-se numa pitangueira. De buscar água, ela gosta. O caminho é tão bonito! Pra lá da ponte fica a mata e mata tem seus encantos – lá mora o Boitatá, a Moça-da-lua, o Pé-de pedra e outros seres encantados. 

Um dia a menina não veio buscar água no poço, passaram-se muitos dias, nasceram dias bonitos, de muito sol e brisa suave e nada da menina aparecer. O tempo mudou, chegou o verão, o inverno.  Certo dia Dúnia apareceu, vinha triste e sem o balde. Sentou-se em uma pedra e ficou quietinha, um bem-te-vi cantou e ela não ouviu, deitou-se na grama e deixou-se ficar com os olhos fixos no céu. Lembrou-se da mãe. Onde estaria?

 A avó explicou que o trabalho da mãe agora era cuidar das aves celestes. Como a menina desejou ter asas para voar, ir até o céu e encontrar com sua mãe! A avó ainda dizia que a mãe se tornou eterna, não podia mais voltar. A menina também queria virar eterna.
Para entender melhor a história da menina Dúnia, vamos transcrever o que disse a autora na orelha do livro:

“A história de Dúnia surgiu da lembrança dos rituais de carregar água das fontes para as moradias, no campo, no século passado. As crianças faziam da “estrada da fonte” um caminho mágico, de brincadeiras e encantamentos. Nas pausas para descanso, a imaginação tomava conta de tudo e era possível viajar para longe nas águas do “rio de balde”, ou inventar inusitados brinquedos com os vultos da paisagem, enfeitiçados pela fantasia.”.

            Em “Guriatã: um cordel para menino”, o personagem Leunam morre e se transforma em passarinho; em “Tua mão na minha”, a mãe de Dúnia morre e vai cuidar das aves celestes.
O pássaro, com seu voo, seu desaparecer repentino, sua vida efêmera, sua plumagem e seu canto associa-se muitos vezes à morte. Vale lembrar versos do poema de Manuel Bandeira, “Preparação para a morte”: 
                  Cada pássaro,
                 Com sua plumagem, seu voo, seu canto,
                 Cada pássaro é um milagre.                     

            Com relação às ilustrações deste livro, Walter Moreira Santos, assim se expressou:
    “Há 11 anos escrevo e ilustro para crianças, mas sabe de uma coisa? Quando li esta história mágica de Eloí Bocheco, fiquei tão encantado que tive receio de ilustrá-la, temendo que talvez minhas imagens não ficassem à altura do texto”. 

            Dividido em pequenos capítulos não numerados, este livro de Eloí Bocheco se inscreve no reino da prosa poética. Cada parágrafo é um convite à poesia.





 

terça-feira, 21 de maio de 2013

Confrontando a dor da perda - o auxílio da imaginação poética


 
    Em uma antiga brincadeira infantil, a menina Dúnia encontra um modo de elaborar a dor e o desamparo de uma grande perda.  Descobre que podia continuar brincando o jogo infantil que aprendera com a mãe, que partiu. Brincaria pela mão da avó que  transmitira a brincadeira à família. A personagem tira do imaginário o ponto de apoio para continuar caminhando porque a vida e o jogo Tua mão na minha continuam, apesar de tudo.
Uma história sobre o poder de cura das palavras brotadas da imaginação e dos afetos.
 
 
A história de Dúnia  surgiu da  lembrança dos rituais de carregar água das fontes para as moradias, no campo, no século passado. As crianças faziam da “estrada da fonte” um caminho mágico, de brincadeiras e encantamentos. Nas pausas para descanso, a imaginação tomava conta de tudo e era possível viajar para longe nas águas  do “rio de balde,” ou inventar inusitados brinquedos com os vultos da paisagem,  enfeitiçados pela fantasia.

Em dias de grandes sofrimentos e perdas, a “estrada da fonte” transformava-se num refúgio poético ao relento, e  auxiliava no espairecimento e na  acomodação da dor para que a vida pudesse prosseguir e brotar outra vez, como brotava a mina d´água.


BOCHECO, Eloí. Tua mão na minha. Erechim: Habilis, 2013 

Onde encontrar o livro:

http://www.habiliseditora.com.br/

Habilis Editora Ltda
Emílio Grando 187/401 - Centro
99700-000 Erechim RS
Fone/Fax - 54 35225856



sexta-feira, 8 de março de 2013

Entrevista com Sônia Zanchetta


 
Por Jacira Fagundes
Coordenação conjunta com Christian David
AEILIJ –  Regional RS
Publicada no Boletim da AEILIJ, na edição de novembro de 2011


                             Uma entrevista que vale a pena conferir!



Jornalista formada pela PUC/RS e produtora cultural,  Sônia Zanchetta integra a comissão executiva da Feira do livro de Porto Alegre desde 1997. Coordena a área Infantil e Juvenil e o ciclo  A Hora do Educador do evento, além da área internacional. Sua equipe se ocupa, ainda, dos programas  Adote um Escritor ( parceria SMED Porto Alegre), Lendo pra Valer ( parceria Secretaria de Estado da Educação) e Fome de Ler ( parceria cursos de Letras ULBRA  Guaíba e Canoas, prefeituras de Canoas e de doze municípios da Região Centro-Sul do Estado e Rede ULBRA de Escolas).
 

AEILIJ – Sônia, fale um pouco sobre esta paixão que te impulsiona para toda uma dedicação e empenho nas ações voltadas à literatura infantil e infantojuvenil  no Estado.
Sônia Zanchetta -  Minha paixão pela leitura e pela literatura começou cedo, antes mesmo de eu ir à escola, pois tive a sorte de vir ao mundo em uma família que dava valor aos livros.
Minha mãe havia guardado, “para quando tivesse filhos”, duas preciosidades: a coleção completa de Monteiro Lobato  e os 18 volumes do Thesouro da Juventude. Apesar da ortografia ultrapassada, li e reli inúmeras vezes todas as histórias daqueles livros. E isso não me dificultou em nada a aprendizagem da Língua Portuguesa; ao contrário, fez com que passasse a amar a leitura e a escrita. Por isto, não consigo aceitar que livros sejam triturados ou doados para reciclagem cada vez que há uma reforma ortográfica.
Meu pai, que havia frequentado a escola por apenas três anos, redescobriu o prazer da leitura junto conosco, quando começou a febre das enciclopédias. Passava horas mergulhado naqueles livros e, de vez em quando, levantava os olhos e nos chamava para contar algo interessante que acabara de descobrir. Ali estava a prova de que uma pessoa que sai da escola plenamente alfabetizada pode seguir aprendendo por conta própria até o fim de seus dias.


AEILIJ – Tens encontrado, com certeza, alguns desafios no desenvolvimento de projetos que visam incrementar a leitura entre crianças e jovens. Dentre eles, qual o maior desafio?
SZ – Creio que o maior desafio está,  justamente em se promover a valorização da leitura no imaginário coletivo. Quando a família, a escola, o poder público e a sociedade como um todo entendem a importância da leitura, a coisas começam a andar.
Através do meu trabalho na Câmara Rio-Grandense do livro, tenho acompanhado vários programas e projetos de leitura desenvolvidos no Estado. Não conheço nenhum caso em que o começo tenha sido fácil. Em termos gerais, é preciso muita persistência e uma grande capacidade de persuasão para fazer um gestor público destinar verbas em volume suficiente para esta área.
Menos mal que esta situação começa a se reverter em vários municípios gaúchos, que construíram políticas públicas claras e consistentes para o livro e a leitura, tornando-se referência em nível nacional.


AEILIJ – E na Feira do Livro de Porto Alegre que acontece a cada ano, na área infantil, podes citar as questões mais desafiadoras?
SZ – Um dos maiores desafios que a equipe da Área Infantil e Juvenil enfrenta é o de sensibilizar para que a Feira seja compreendida como o ponto culminante, mas não final, de um processo sério e contínuo de formação e qualificação de leitores. Ao agendarem suas turmas para encontros com escritores e ilustradores de LIJ, os professores assumem o compromisso de promover a leitura prévia de ao menos uma obra de sua autoria por todos os alunos e por todos os adultos que os acompanharão na visita à Feira.
A feira é a grande festa do livro. Além de participarem das atividades oferecidas pela programação, as escolas encontram, ali, espaço para mostrar o trabalho desenvolvido, ao longo do ano, nas áreas da leitura e da escrita. Para acolher esta produção, foram criados o teatro Território das Escolas; o Largo da Escrita, onde ocorrem sessões de autógrafos, e a Vitrina da leitura, que dá visibilidade a projetos que se destacam por sua consistência, constância e caráter inovador. Há escolas que levam à Feira centenas de membros da comunidade escolar, o que é fundamental para reforçar a importância da leitura no contexto familiar. Mas é preciso, também, qualificar os professores como leitores e mediadores da leitura.  Com este objetivo, a CRL realiza ou apoia a realização, ao longo do ano, de vários encontros que têm sua culminância na Feira, com o ciclo A Hora do Educador. Este ano ( 2011) estão previstos nove seminários, além de várias oficinas e palestras independentes.


AEILIJ – Consideras que as novas tecnologias ajudam ou afastam os pequenos e os jovens da leitura? Onde, na tua opinião, é possível a leitura se coadunar às novas tecnologias ou, se for o caso, prevenir o afastamento?
SZ – Embora o livro de papel continue sendo o único suporte de leitura em boa parte das escolas brasileiras e tudo indique que terá uma longa vida, é essencial que os professores se preparem para tirar proveito das novas tecnologias, que tanta curiosidade despertam entre seus alunos.
Não basta equipar as escolas com laboratórios de informática, telecentros ou salas de aula do futuro. É preciso romper a resistência de muitos professores com relação a seu uso, fazendo com que se conectem ao tempo de seus alunos. Só assim poderão fazer a mediação necessária para que seus alunos se tornem aptos não só a consumir, mas também a criticar e a produzir conteúdos digitais.


AEILIJ – Vimos acompanhando expressivo aumento do número de obras direcionadas à infância e juventude no âmbito da literatura gaúcha. Até onde tal fato é promissor e significativo de qualidade?
SZ – A LIJ  produzida no RS deu um salto de qualidade incontestável nos últimos tempos. Autores gaúchos de LIJ circulam com desenvoltura nos grandes eventos literários do país; tem obras selecionadas pelo PNBE e por outros programas de aquisição; conquistam prêmios importantes, espaços na mídia especializada e nas estantes das megalivrarias.
Há algum tempo, podemos observar na Área Infantil e Juvenil da Feira do Livro de Porto Alegre a atuação de “olheiros” de editoras do centro do país, que vem conhecer de perto os nossos autores.
Mas é essencial que as escolas adotem critérios claros para a aquisição de acervo e adoção de obras a serem lidas por seus alunos, pois,  nestes tempos em que é tão fácil publicar um livro, abundam também os textos de baixa ou nenhuma qualidade literária.
AEILIJ – Neste momento profícuo para a literatura infantil e infanto-juvenil, vês visibilidade para os novos – tanto escritores como ilustradores?
SZ – Aqui no Sul há poucas editoras que apostam na publicação de LIJ com recursos próprios, o que dificulta  a entrada de novos autores no mercado e, no caso das obras publicadas de forma independente, mesmo que seja incontestável sua qualidade, a distribuição costuma ser bastante difícil. No entanto, temos o exemplo de autores que surgiram através de concursos literários ou que construíram sua reputação literária na internet e, só depois de terem conquistado uma legião de leitores, foram em busca de uma editora ou publicaram um livro de forma independente. Oficinas literárias ministradas por grandes escritores, como Luiz Antônio de Assis Brasil e Charles Kiefer, entre outros, também têm contribuído de forma decisiva para o surgimento e a qualificação de autores no RS. Atualmente contamos com excelentes ilustradores no RS, mas, também no seu caso, o começo não é fácil, sobretudo pela escassez de editoras especializadas em LIJ.


AEILIJ – Ainda, no que se refere à obra literária de qualidade, como vês a atual profissionalização de escritores e ilustradores? A AEILIJ pode auxiliar na profissionalização destes autores de texto e ilustração? De que maneira?
SZ – A AEILIJ vem colaborando para a profissionalização de escritores e ilustradores associados ou não, através da promoção de debates e reflexões sobre a questão da produção e da leitura de LIJ. É o caso do seminário POR UM ESPAÇO ESPECIAL PARA A LITERATURA NA ESCOLA, que terá sua terceira edição de 8 a 10 de novembro, na 57ª Feira do livro de Porto Alegre.
Mas,  no RS, e provavelmente em vários outros estados, seria importante que a entidade pudesse promover, também, oficinas de criação, ministradas por ilustradores ou escritores de renome, visando a profissionalização  de novos autores.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Quando a imaginação dá as tintas....

                                                         

 A menina que podia voar 
 Vinicius Linné  ( Habilis, 2012)


  Em A menina que podia voar, o autor, Vinicius Linné, surpreende já na dedicatória:“para uma borboleta, uma mariposa e um mandarim”.
A história é narrada, ou melhor, cacarejada por uma galinha mais velha às galinhas mais moças.  Não se trata, contudo,  de uma história sobre  galinhas, mas sobre gente.
A menina que podia voar e um dia voou,  é aluna de uma professora autoritária, que separou a classe em “aviões”, “carros” e “carroças”, outro nome para fortes, médios e fracos.   Estigmatizada como lenta porque não atende às expectativas da professora, a menina e seu amigo, também tido como lento, sentam-se na última fila e, deles,  nada espera a “mestra”.
De tanto ouvir que é lenta, a menina incorpora essa imagem. Porém, ela tem à sua disposição os campos  imensos  da imaginação. Nesse território de liberdade, o estigma não a alcança.  Levada pelo vento, voa para muito longe do chão. Entre passarinhos e borboletas brinca de esconde-esconde, pega-pega e passa-anel. Chega à fábrica de tinta das nuvens e recolhe tintas de todas as cores. Quando volta à terra pede à  madrinha para pintar um retrato dela, da  menina, com as tintas que trouxera do céu.  Mas a madrinha não acreditou nos voos da menina e nem  que as tintas que trouxera eram tintas celestes.
Perante a madrinha não conseguiu voar. Mesmo que voasse, ao que tudo indica,  a mulher não enxergaria, pois tem o  olhar viciado na rotina, pouco afeita a voos e sobressaltos. Porém,  a sós com sua imaginação, a menina voou e brincou de viver em outros mundos, onde o que é tocado pela linguagem se transforma em possibilidade de ser.
Um texto forte que traz um olhar sobre a diferença e  o sofrimento de quem não cabe nos padrões eleitos como “normais”, aceitáveis ou desejáveis pela sociedade de humanos. É também um texto que celebra os poderes da imaginação, como chão mágico onde cresce o sonho e a vontade de viver, a despeito da realidade esmagadora como  a da personagem.  Felizmente, “ela podia voar”....

domingo, 1 de julho de 2012

Palavras - a fisionomia poética



“Poesia é um entrosamento de palavras que se juntam e deixam você fascinado”. Ouvi de André, 5º série, esta  definição de poesia. Dita e vivida: o menino deliciava-se com seus poemas preferidos. Exerciam tal fascínio sobre ele que dezenas de vezes os lia, tomado de encanto. A Estrela,  de Manuel Bandeira, estava entre os seus preferidos. Aquela “estrela tão alta e tão fria” baixava das alturas na palma da mão do menino:  que coisas primeiras e penúltimas estrelavam na alma dele cada vez que lia de novo? – eu me perguntava, vendo-o ler para a classe toda. Lia outros também, porém, este o tinha devorado inteiramente.
“Poesia é música? É que nem música!”  - foi a conclusão de Ramon ao ouvir os poemas do livro Ou Isto Ou aquilo, de Cecília Meireles. Patrícia, em processo de alfabetização, descobre O Jogo e a Bola, do mesmo livro: “Fui pra casa e tentei ler sozinha. Fiquei tentando até tarde, até que consegui”. Todos os dias pedia-me para ler de novo este poema e ouvia-o, enlevada, o olho indo e vindo em passeio pela atmosfera lúdica do texto.
Patrícia repetia a 1º série há cinco anos quando me propus a ajudá-la. Não tenho dúvidas de que a poesia contribuiu para que ela deixasse para trás o fastio dos textos mecânicos da cartilha, repetidos anos a fio sem resultados, causando-lhe um enorme prejuízo  à auto-estima: “ não adianta você querer me ensinar a ler, eu não vou aprender, não tenho cabeça para o estudo” – fala que introjetara de tanto ouvir os adultos próximos repetirem.
Ao atualizarmos juntas a beleza, a emoção, a musicalidade da palavra poética ela foi percebendo a diferença e desejando aprender o mais rápido possível para ler sozinha aqueles textos que transbordavam de ludismo.
As crianças sentem que na poesia as palavras dizem mais, dizem  diferente; na poesia as palavras brincam de roda e, ao rodar, emitem faíscas, cintilam, “banhadas por uma luz antiqüíssima e ao mesmo tempo acabadas de nascer”.
Arrisco-me a afirmar, com base na experiência, que é muito raro uma criança descobrir a poesia e não se encantar. Infelizmente o encontro da criança com a poesia ainda  é muito raro. Mas, quando ele acontece,  a corrente de paixão pela leitura se fortalece e é comum que elas desejem ler outros textos poéticos.
Se poucos livros de poesia houver na biblioteca da escola, o bibliotecário poderá se ver em apuros, pois, lançado o pacto lúdico com a poesia, os meninos e meninas envolvidos costumam ser ( felizmente) muito insistentes e, se já tiverem lido todo o acervo ( em geral escasso), virão à porta da biblioteca todo santo dia perguntar: “chegou livro novo de poesia?”
A insistência pode virar algo mais forte a ponto de alguns livros de autores muito amados serem disputados a tapas. Alguns resolvem que não vão mais devolver o livro: “Ah, perdi!”, “Deixei na casa da vó”, “Ficou em outra cidade”. Tudo pra não se separar do livro de poesia, livro que, afinal de contas, brinca, canta, dança e embala, como diz a educadora Ana Schirley: poesia é balanço nos galhos da goiabeira, ou como nos ilumina José Paulo Paes:

Poesia
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.

Só que
bola, papagaio, pião
de tanto brincar
se gastam.

As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.

Como a água do rio
que é água sempre nova.
Como cada dia
que é sempre um novo dia.
Vamos brincar de poesia?


Em reinos como o da literatura, da poesia, é a palavra sonhada que nos recebe à porta. Palavra mutável, rica, dinâmica, plural:

Abre-se a romã
Abre-se a manhã.

Palavra sonhada, vida sonhada. Então o poeta Mário Quintana já não disse que “uma vida não basta apenas ser vivida também precisa ser sonhada”? Voar numa revoada de poemas: mudar de lado o coração para pulsar no justo ritmo de uma palavra sonhada, descobrir o “outro” de si o “outro” dos mundos, trazer para perto as terras estranhas, remotas ou obscuras,  alargar o olhar pra lá, pra cá, pra além...
Quando a palavra é tocada pela poesia  se potencializa e cria a vida nova. As nomeações simbólicas têm o poder de subverter a ordem linear fixadora de sentidos. Liberta dos elos opressivos das convenções da lógica racional, a palavra reconquista a face mágica, o vigor mítico das origens e mostra-se em plenitude.

“A palavra, finalmente em liberdade, mostra todas as suas entranhas, os seus sentidos e alusões, como um fruto maduro ou um foguete no momento de explodir no céu” ((Octávio Paz, 1992, p.26)

É outro o semblante da palavra na poesia, e este semblante a criança reconhece e rapidamente com ele se identifica. Huizinga (2000, p.133) dá ciência de que “ a poesia se exerce no interior da região lúdica do espírito, num mundo próprio para ela criado pelo espírito, no qual as coisas possuem uma fisionomia inteiramente diferente da que apresentam na vida comum, estão ligadas por relações diferentes das da lógica e da causalidade”. O saber intuitivo, o ludismo sonoro e semântico da poesia encontram ressonância no solo lúdico da infância, por isso, é recebida com encantamento e adesão afetiva.
Quando o aluno da primeira série da professora Maria Salete Ramos, interrompeu a leitura do livro de poemas que ela estava apresentando à turma, ficou de pé, de repente, e gritou: “Esse livro eu quero ler! É  esse mesmo! É esse que eu quero ler!”- reconheceu, com surpresa, o semblante mágico dos textos e nem conseguiu esperar a leitura acabar para expressar sua emoção, seu fascínio, e o desejo de tomar nas mãos o livro e provar por ele mesmo do repasto lúdico.
UM POEMA QUE INCENDEIA

COLAR DE CAROLINA

Com seu coral de coral
Carolina
corre por entre as colunas
da colina

O colar de Carolina
colore o colo de cal,
torna corada a menina.

E o sol, vendo aquela cor
do colar de Carolina,
Põe coroas de coral

nas colunas da colina.

Tive uma aluna no curso de magistério que, ao ler este poema de Cecília Meireles, declarou que se via correndo junto com Carolina “por entre as colunas da colina” e que, sempre que pensava no poema, se via assim. Tinha se atirado para dentro do texto de corpo inteiro.
Como outros textos do livro Ou Isto Ou Aquilo, Colar de Carolina é um poema-aparição, pela força evocadora da imagem – a palavra encarnada, recriando a experiência.
O jogo sonoro, já no título, é um princípio de espanto que vira encanto ante a visão do poema surgindo entre mágico e incandescente. A cor do coral se mistura à mobilidade das coisas,  esparrama-se pelo colo da menina, confunde-se com o estado de alma.
Em “colunas da colina” a combinação sonora e imagética atinge o máximo de efeito: o fonema “l” aponta para os ares dando a idéia de altura. Palavra-visão: presentifica o ser nomeado, ao mesmo tempo que o reveste com o pó criativo, dando-lhe a face estranha que provoca a surpresa e o prazer.
O sol completa a incandescência:


põe coroas de coral
nas colunas da colina

E eis que o poema não termina: incendeia!
As palavras criadoras desalinham o real para realinhá-lo sob a ótica do imaginário em que contam a liberdade, o prazer, a invenção.

 BOCHECO, Eloí Elisabete. Poesia infantil: o abraço mágico. Chapecó: Argos, 2002, P. 13 a 20

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Primeiras leituras


De João Pessoa-PB chegou este livro,  organizado pela querida amiga Neide Medeiros  Santos e por Yó Limeira.
Encantei-me com os depoimentos de escritores paraibanos sobre suas memórias literárias e modos de se relacionar com a leitura desde a infância.
A família e a escola aparecem com freqüência nas histórias de iniciação literária dos autores,  ora com acertos, ora com equívocos no modo de criar a aproximação com os livros.
Tendo vivido em casas cheias de livros, ou  com a completa ausência deles, os autores criaram desde cedo, vínculos fortes com as palavras, através dos repertórios de  leitura disponíveis em seu tempo e  ao seu alcance ( Clássicos nacionais e estrangeiros, Coleção Tesouro da Juventude, Almanaque Fontoura, histórias em quadrinhos, livrinhos de faroeste, narrativas bíblicas, contos de fadas, lendas do folclore brasileiro, Cordel, dentre outros recursos de leitura citados ).
O que emociona é a paixão com que os depoimentos falam da “felicidade da leitura” e o modo como os autores se entregam à felicidade de ser leitor.
Parabéns  à Neide Medeiros Santos e à Yó Limeira, organizadoras da excelente obra.


 Transcrevo abaixo o texto de apresentação do livro:
“ Há cerca de cinco anos organizamos a coletânea “Memórias Rendilhadas” com depoimentos de quinze escritoras paraibanas ou radicadas aqui no Estado, com suas memórias  de leituras na infância e adolescência. A boa receptividade do livro nos fez pensar numa versão agora de nossos companheiros escritores sobre seus “alumbramentos” pelas leituras nessa mesma fase da vida.
O título Confesso que li, que nos remete ao livro autobiográfico de Pablo Neruda, foi uma sugestão do poeta Cláudio Limeira por nós logo acatada no primeiro momento.
Não é tão fácil, num universo tão vasto de escritores,  selecionar tão poucos, dado o espaço exíguo da coletânea. Procuramos tecer um painel que pudesse abranger poetas, ficcionistas, cronistas, e ensaístas, observando a mais diversas tendências. Assim, a diferença de idade, gêneros literários, muito contribuiu para a diversidade do conteúdo.
Os mais jovens discorreram sobre leituras modernas, outros rememoraram histórias com sabor bom de relíquias bem guardadas no baú da memória. As histórias em quadrinhos, os velhos gibis, estão presentes, dando brilho e alegria a muitos textos. O cinema também se faz presente como estímulo à leitura em alguns autores. Ao rememorar suas primeiras leituras, eles vão também desenhando os traços culturais, usos e costumes de um tempo, fazendo com que a coletânea nos ofereça um panorama de leitura entre os anos 40 e 90, do século XX, portanto abrangendo cinquenta anos de  leitura em nosso Estado.
Vale salientar que não houve de nossa parte pretensão de teorizar sobre o assunto,  tendo por objetivo maior trazer, de forma espontânea e descontraída, os livros que figuravam no cardápio desses escritores na segunda metade do século recém-findo.
Esperamos, com este trabalho,  oferecer subsídio para pesquisas no âmbito de leitura, para alunos e professores, em áreas como letras, pedagogia, biblioteconomia, etc.
Sabemos da importância da leitura na educação, principalmente entre crianças e jovens por ser o livro uma porta aberta para a aquisição de outros conhecimentos.
Esta coletânea, através das experiências vividas aqui pelos seus autores, deixa bem evidente a magia e poder da leitura na formação dos jovens em todos os tempos e lugares”.            Neide Medeiros  Santos e Yó Limeira

“ A experiência de ler é a mais profunda que o homem tem em termos de comunicação com o semelhante. Nosso diálogo com os outros é incompleto, limitado por entraves sociais e afetivos. Ninguém, mesmo querendo, diz tudo nem ouve tudo. Ninguém se abre para nós com a amplitude e a intensidade com que os personagens o fazem. Eles não têm segredos e, ao revelar-se, dizem muito de nós. Cada personagem é um confidente e um espelho em que nos miramos com solidariedade e por vezes com horror”.      ( Chico  Viana , P. 41)
  Entre as obras que mais me marcaram,  na primeira fase de leitura,  dos 9 aos 13 anos, eis as Fábulas de Esopo, o legado de Apuleio e o seu Asno de Ouro – que inspirou em outras épocas autores como Bocaccio e Cervantes - , La Fontaine e suas raposas, gansos e lebres; as primeiras perguntas,o que somos,o que é o vácuo,o mundo tem fim, Deus existe, a Terra é mesmo redonda , por que morremos, fundiam-se à lendas  ao real, aos causos e fábulas e a ficção virava uma representação verdadeira do mundo – o Tesouro da Juventude”.  ( Carlos Tavares, P.3)

“Comecei a ler livros propriamente ditos aos doze ou treze anos, quando um vizinho de minha idade, de ascendência austríaca – desses que, sem permissão para as brincadeiras de rua, vivia entre quatro paredes, cumprindo tarefas domésticas e escolares – me alertou para a existência da Biblioteca Pedro Moreno Gondim, na rua Aderbal  Piragibe, também em Jaguaribe.
Não sei por que – provavelmente por puro acaso – os meus primeiros escritores lidos foram os ingleses. Somerset  Maugham foi o primeiríssimo a me tomar a  atenção e a me desviar das brincadeiras infantis, com seus dramas, aliás,  nada infantis, como Um gosto e seis vinténs e O Biombo chinês. Depois veio Graham Greene com suas histórias policiais e políticas. Uma leitura que muito me impressionou foi A Hora final, de Nevil Shute, sobre o fim do mundo depois da explosão da bomba atômica”.                            
                                                   (João Batista de Brito P.116)
 “A poesia se torna presente em minha infância antes dos livros, por meio de várias manifestações orais   com mensagens poéticas. Sendo meu pai músico, me acostumei a ouvir sua coleção de discos, e me emocionava  com os versos musicados.
Nessa época eram choros, sambas, canções nostálgicas, de compositores como Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga. O romantismo e ironias de Noel Rosa, os dramas de Vicente Celestino, o lirismo de Ismael Silva.
Em tempos de misticismo, os cânticos nas missas, novenas e procissões. Não deixando de lembrar os repentistas de  cordel, com seus desafios acompanhados pelos acordes monótonos das violas”.
                                                      (Hermano José P. 99)