quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

NA SALA COM A PROFESSORA TÂNIA RÖSING



Por Fabiano Tadeu Grazioli*
Fabiano Você é atualmente uma das pesquisadoras de maior destaque na área da leitura no Brasil. Poderia falar-nos um pouco sobre a sua trajetória profissional?
Tânia Sou formada em Letras e Pedagogia-Suprevisão Escolar. Tenho Especialização em Metodologia do Ensino Superior. Concluí Mestrado e Doutorado em Letras – Teoria Literária na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Minha dissertação de mestrado foi publicada pela Editora Mercado aberto com o título: “Ler na Escola: para ensinar literatura no primeiro, segundo e terceiro graus”. Preocupei-me, nesse momento, em avaliar o desempenho de licenciandos em Pedagogia nas Séries Iniciais e o de licenciandos em Letras, atuando de quinta a oitava séries com atividades de leitura. Constatei o melhor desempenho dos alunos de Pedagogia onde demonstraram um maior comprometimento com a seleção de obras adequadas para seus alunos, com a exploração da leitura rumo à emancipação desses leitores, o que aconteceu muito raramente com os estagiários de Letras. O resultado foi um entusiasmo menor pela leitura demonstrado pelos alunos de Letras e pelos alunos de quinta a oitava séries do que pelos alunos de Pedagogia e dos alunos das séries iniciais. A tese de doutoramento foi publicada pela Editora da Universidade de Passo Fundo com o título: “ A formação do professor e a questão da leitura”.
Preocupei-me em trabalhar com professores responsáveis pela disciplina Prática de Ensino na Universidade que atuaram com alunos de quatorze licenciaturas. Meu desejo era conhecer o conceito de leitura que defendiam em suas aulas de leitura de textos nas diferentes áreas do conhecimento, inclusive, procurando identificar o que abrangia texto para esses profissionais. Foi muito interessante a reação desses colegas de Universidade que não mediram esforços para colaborar enquanto sujeitos da pesquisa que gerou a tese.
Antes disso, no final dos anos 70, já na condição de professora da Pedagogia-Séries Iniciais, solicitei ao Diretor da Faculdade de Educação, PE. Eli Benincá, que começasse a comprar livros de literatura infantil e juvenil para levarmos aos alunos da Pedagogia e para levarmos às praças públicas a fim de estimular o envolvimento de crianças e de adolescentes com esse tipo de livro.
Assim, como leitora que sou desde a primeira infância, onde ouvi os primeiros contos emergentes de histórias bíblicas contadas por minha mãe Mercedes, o que certamente ampliou meu imaginário, minha sensibilidade, tenho dedicado minha vida profissional e pessoal à formação de leitores, o que se constitui num grande objetivo e numa perspectiva de vocação num país que se constitui de dois Brasis: um que lê e outro que não lê.

Fabiano – As Jornadas de Literatura de Passo Fundo são um evento ímpar no cenário nacional e é impossível lembrar delas e esquecer de sua idealizadora. Embora você sempre deixe claro que as Jornadas são resultado do trabalho incansável de uma equipe, é de conhecimento público o seu empenho, a sua “batalha” para conseguir, a cada dois anos, que ela aconteça com o brilho e vigor que lhe são característicos. Fale-nos da trajetória das Jornadas e das dificuldades em tornar esse evento realidade.

Tânia - Inicialmente, as dificuldades estavam no comprometimento de os autores convidados participarem do evento, mesmo sabendo que seus livros já haviam sido lidos pelos participantes. Também não havia envolvimento das editoras.
Com o crescimento em tamanho e em complexidade das Jornadas, as inscrições que, até 1988, cobriam o custo do evento, passaram a não mais serem suficientes para enfrentarmos os custos. A partir de 1991, solicitamos ao então prefeito municipal Aírton Lângaro Dipp para que assumisse 50% do custo das Jornadas, o que passou a acontecer. Com a chegada das Leis de Incentivo à Cultura, tanto no Rio Grande do Sul como o mecenato no Ministério da Cultura, passamos a ter o apoio de empresas que estavam convencidas a não retirar de Passo Fundo o montante de ICMS que pagavam ao governo estadual, nem o Imposto de Renda que enviavam ao governo federal para contribuir com as Jornadas. Essas leis têm sido fundamentais para a sustentação da movimentação cultural.
Hoje, as Jornadas e todos os seus desdobramentos são reconhecidos nacional e internacionalmente, temos muitos parceiros entre empresários, o SESC Nacional, empresas estatais, editoras. Temos o compromisso de manter a movimentação cultural permanente e de realizar o ápice desse movimento a cada dois anos, com qualidade, originalidade, celebrando a literatura, as artes, os escritores, os ilustradores, os artistas.

Fabiano - Em que aspectos as Jornadas de Literatura de Passo Fundo se singularizam frente aos outros eventos relacionados aos livros, à literatura e à leitura realizados no país?

Tânia – Desenvolvemos uma metodologia diferenciada: no momento que antecede cada Jornada, cada Jornadinha, desenvolvemos uma movimentação - Pré-Jornada, Pré-Jornadinha – que divulga obras dos autores convidados, estimula a leitura, a realização de debates, de trabalhos sobre os mesmos. Atualmente, para os autores da Jornada, desenvolvemos um fórum on-line, viabilizando o contato dos internautas com seus escritores preferidos.

Fabiano - O Mundo da Leitura é um projeto ímpar no que se refere à Leitura e Formação do Leitor no contexto da cibercultura. Poderia informar aos leitores quais são os princípios deste espaço e quais as principais diferenças nas metodologias empregadas nas sessões de leitura do Mundo da Leitura em relação à escola tradicional?

Tânia – Desde as Jornadas que geraram a criação do Mundo da Leitura ( 1997) desejamos formar leitores que apreciem os textos literários e possam entender, interpretar, também, as manifestações das linguagens artístico-culturais. O Mundo da Leitura é um laboratório do curso de Letras e do programa de Pós-graduação em Letras. A equipe interdisciplinar é formada por professores e pesquisadores e por monitores de diferentes áreas do conhecimento. Desenvolvem-se nesse espaço práticas leitoras – ações de leitura promovidas nas visitas agendadas. As atividades, vivenciadas por alunos e professores e envolvendo diferentes linguagens ( verbal, musical, dramática, entre outras) em suportes diversos ( livros, CD-ROM, DVD, fitas de vídeo etc.), têm sido o diferencial em relação às atividades de leitura.
Os monitores do Mundo da Leitura apresentam e incentivam a leitura dos diferentes tipos de textos do acervo do Mundo da Leitura.

Fabiano – Quais são os principais equívocos observados nas metodologias de leitura e no manejo do texto literário na escola brasileira, instituição que, em um país com baixos índices de leitura tem como uma das funções principais promover o encontro significativo entre obras literárias e leitores?

Tânia – O maior problema enfrentado no Brasil é o fato de grande número de professores, de bibliotecários, de pais não serem leitores. Você só pode estimular a leitura se você é um leitor. É imprescindível que sejam realizados cursos de formação contínua para professores, para responsáveis por bibliotecas, pelos bibliotecários propriamente ditos a fim de que possam ampliar seu conhecimento, sua cultura, sua sensibilidade. Os pais também precisam comprometer-se com a educação sintonizada com a cultura no desenvolvimento de seus filhos.

Fabiano – Além de estar à frente das Jornadas de Literatura de Passo Fundo e do Mundo da Leitura você também é professora do Mestrado em Letras da UPF. Ao seu ver, qual é a contribuição que os estudos acadêmicos na área de Letras têm a oferecer à realidade da leitura e da formação do leitor em nosso país?

Tânia - Defendo a idéia que as dissertações de mestrado devem contribuir para a melhoria do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Realizar investigações que interessem somente a cinco ou seis pessoas é uma irresponsabilidade dos orientadores e dos mestrandos. No Brasil, não podemos nos dar ao luxo de estudar o “sexo dos anjos” quando existe um grande número de analfabetos funcionais e uma grande massa de analfabetos culturais. Precisamos realizar investigações que levem as pessoas a ler mais poesia, narrativa, teatro. Esse é o nosso compromisso. Investir tempo e dinheiro para não contribuir com o aprimoramento do ensino é inaceitável.

Fabiano – Como você caracteriza a Literatura Infanto-Juvenil produzida hoje no Brasil? Que projetos editoriais, autores, ilustradores e obras destacaria?

Tânia – Estamos vivendo um momento ímpar na qualidade das produções editoriais brasileiras para o público infantil e juvenil. Além disso, em meio a uma produção de baixa qualidade, há uma produção significativa de qualidade, obras emancipadoras, capazes de valorizar o leitor-criança, o leitor pré-adolescente, o leitor adolescente, o leitor adulto. Cito três indicadores para verificar o que existe de qualidade no país : o Prêmio Jabuti e a concessão de Altamente Recomendável pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, o Prêmio Barco a Vapor, dentre tantos outros.


Entrevista publicada na edição número 37/nov/2008, de O Balainho, Jornal de LIJ da Universidade do Oeste de SC-UNOESC.