sábado, 4 de dezembro de 2010

Quando a paixão de ler vence a falta - trajetória de uma encantadora de leitores



Rosa Rosani Bazi, animadora da biblioteca do Colégio Mater Dolorum, em Capinzal-SC, é uma educadora em final de carreira, que mantém viva a paixão pela leitura e o entusiasmo dos verdes anos de sua adolescência como professora.

Nem a infância sem livros, nem o afastamento da escola por um longo período, na adolescência, impediu que ela se tornasse uma leitora apaixonada, daquelas que estão sempre inventando feitiços para cativar leitores.
Rosani tem Pós-graduação em Alfabetização e Séries Iniciais e Mestrado em Educação e Gestão Educacional. Hoje, às vésperas da aposentadoria, Rosani pensa em fazer uma Pós-Graduação em Literatura Infantil.

"Minha formação é um tanto quebrada.  iniciei meus estudos aos 7 anos de idade. Naquela época não existia transporte escolar e só os meus irmãos é que poderiam sair de casa. Então tive que sair da escola, e só continuei meus estudos aos 19 anos quando ia me casar. Eu e minha mãe, que também era professora leiga, passamos a estudar juntas e concluímos o curso Logos II, Magistério Emergencial, instituído pelo MEC. Eliminei as matérias em um ano e oito meses. Comecei a graduação em Orientação Educacional na UNIJUI, mas não era bem isso que eu queria então passei para o curso de Pedagogia em Series Iniciais em Passo Fundo –UPF”.
Que lembranças, imagens, vivências, memórias de experiências com livros e leitura você guarda de seu tempo de infância, antes e durante a alfabetização?

Você me pede livros da minha infância, me deu uma vontade de chorar, mas sempre fica uma coisinha mesmo que bem simplesinha nos porões da memória. Ficou uma ilustração bem vaga de uma ratinha muito trabalhadeira que lavava pilhas de pratos. Ganhei o livro  de  meu  pai. As leituras eram só os textos dos livros didáticos. Eu gostava demais de estudar. Eu e meu irmão usávamos muito nossa imaginação. O pé de uva-japão, cheio de galhos,  era o meu prédio, minhas casinhas eram sempre nas árvores.

Meu pai foi meu professor, sem formação, e  com pouco carinho para com os alunos. Eu e meus manos ficamos muito felizes quando ele tirou licença para tratamento de saúde. Pelo menos durante três  meses sentimos o gostinho que era ter outro professor. Ele misturava nossas atitudes de casa com as da escola. Um belo dia recusei-me a secar a louça para minha mãe, ele estava fechando as médias, e me deu nota cinco, em vermelho, no boletim.
Por outro lado, eu gostava de brincar de professora e desenhei muito com carvão, atrás  dos galpões. Até hoje adoro desenhar e tenho facilidade.

 Em seu curso de graduação e pós-graduação, como foi encaminhada a questão da prática de leitura, com vistas a prepará-la para conduzir a prática leitora em classe, com seus alunos?


Na realidade aprendi na prática, quando eu trabalhava na escola multisseriada. Recebemos um material chamado’’ Ciranda de Livros’’. Havia um bom material orientando o professor para motivação das leituras de cada obra.

Também na graduação contei com uma ótima professora chamada Irene Saraiva, que motivou a leitura de muitas obras que me impulsionaram para este caminho de motivação pela leitura. Nas Pós-Graduações também tive  disciplinas que motivaram, de alguma forma, este assunto, não tão aprofundado, mas para quem gosta, já impulsiona.
Em sua história , como professora, como foi a experiência com a formação leitora de seus alunos? Que experiências com leitura foram mais marcantes em sua carreira de professora?

Em minha história como professora, as experiências com a formação do aluno leitor foram muitas e marcantes...e olha que começaram bem lá nos meus primeiros anos de professora, na escola Isolada Nova Esperança.  Eu não estava formada ainda.


Estava eu motivando meus aluninhos para a leitura de um texto, quando notei que as crianças olhavam pela janela e cochichavam, resmungavam, não me davam atenção. Logo depois da janela havia uma cerca de ripas brancas e um pomar de laranjas comuns, umas árvores enormes. Eu insisti para que as crianças prestassem atenção no que eu estava falando naquele momento. Elas até se esforçaram, mas os olhos se voltavam  para fora e escapavam uns gritinhos. Então  fui ver o que estava acontecendo. Era uma enorme cobra verde querendo pegar os filhotes do ninho de um casal de canarinhos desesperados, que gritavam muito.

Então, sem pensar duas vezes, fomos todos lá (todas as séries, meninas e meninos). Os meninos pegaram uma enorme vara de taquara, usada para tirar laranjas, treparam na laranjeira e espantaram a cobra. Iam caindo laranjas e as meninas abriam as saias e iam colocando as laranjas. Mas a cobra poderia cair também. As meninas gritavam e corriam. Entrei tanto no clima que nem me preocupei (no caso de um aluno cair ou se machucar). Partimos para um longo estudo no pátio mesmo. As crianças trouxeram os livros de ciências, observaram se a cobra era venenosa, comparando com os desenhos do livro. Formou-se um círculo de alunos interessados em aprender, todos envolvidos com os resultados das pesquisas in loco. Eu estava animadíssima com os resultados. Depois o lanche foi aquela matemática... quantas laranjas para cada aluno... e que lanche gostoso! Só alegria! Os passarinhos estavam felizes e nós também. A cobra verde coitada, serviu de cobaia para estudos!


E como foi fácil escrever sobre o que havia acontecido! A leitura então foi ótima. Foi ali, naquele momento, que me desprendi de apresentar conteúdos prontos e passei a observar mais os interesses dos alunos e comecei a trabalhar de forma diferente. Estudávamos no interior, tínhamos tantas riquezas naturais e ficávamos forçando os coitados a compreender conceitos, quando podíamos formar juntos estes conceitos. Partimos para passeios, visitas. Trabalhei muito e de forma diferente, e os resultados também foram diferentes. Passei a acreditar em meu potencial e no dos meus alunos. Soltei a imaginação. ...

Os passeios passaram a ser constantes, para conhecer nossa comunidade. Entrevistávamos as senhoras e senhores mais idosos para entendermos melhor como foi povoada nossa pequena comunidade de Nova Esperança. Pesquisamos os animais que havia, os rios, as matas e os cuidados com a natureza, e a transformação que fez o homem. A Matemática, estudávamos na nossa horta, as medidas dos canteiros, subtração, adição, divisão, multiplicação, etc . O mais gostoso mesmo eram as divisões, feitas com uma varinha no pátio, para ver quantos tomates cada aluno levaria para sua casa. E mais, amávamos aquela escola! Quando chegava dezembro, marcávamos: a cada 15 dias, do período das férias, todos os alunos iam até a escola junto comigo para a limpeza da escola e dos arredores e para colher verduras e conservar a horta limpa e bonita.


Como tínhamos poucos livros para leitura, então participávamos de um programa de rádio bem cedo, na Rádio Capinzal. Frei Davi fazia umas perguntas e quem respondesse, concorria a livros. Muitos dos meus alunos ganharam livros e ficavam felizes e eu também. Lembro que a Escola não tinha a biblia e no Natal a pergunta era: O que significa o Natal? Todos os alunos, de primeira a quarta série participaram. Cada aluno fez suas colocações e muitos outros ouvintes participaram também e quem ganhou foi a escola de Nova Esperança. O Frei leu a carta no rádio. Os pais vinham orgulhosos contar, agradecendo o meu apoio. Imagine a minha alegria. Eles escreviam , liam, e ouviam, e toda a comunidade ouvia.


Em sala de aula lembro de uma aluna que, depois que acabei de contar uma história, olhou séria pela janela e me perguntou: Prof., tem bruxa naquele mato?

Infelizmente esta escola fechou por falta de alunos, mas tive tanto apoio da Epagre e da Coordenação que fui transferida e promovida para trabalhar em uma escola Básica como secretária. Mesmo como secretária continuei com meus projetos extra–classe: horta, mini-estação metereológica, artesanato, bordado, etc,...Durante o tempo nessa escola é que resolvi fazer a graduação em Passo Fundo-RS. Só tenho boas recordações desta escola tão maravilhosa, que tinha uma direção comprometida com a comunidade.


Em 1997, iniciei, minhas atividades em Capinzal(vim para cá para cuidar de minha mãe, que estava muito doente). Nosso querido Uruguai também sofreu com a barragem de Itá, ficando a comunidade reduzida. Como eu era efetiva no Estado, transferi-me para Capinzal. Não me acostumei e tive depressão, mas hoje, graças a Deus, e a um montão de amigos que conquistei, sou feliz aqui e não saberia fazer outra coisa a não ser motivar leitores. Amo o que faço, adoro trabalhar, não posso ficar quieta.
Como dinamizadora da biblioteca, você faz feitiços literários o tempo todo para seduzir leitores. Como tem sido essa experiência de encantadora de leitores na biblioteca do Mater Dolorum?


Como dinamizadora da biblioteca procuro planejar, organizar o que temos para oferecer à clientela. Já percebi que devo explorar os cinco sentidos para motivar a leitura e precisa muito trabalho para conseguir algum resultado. No mês de novembro estou fazendo um trabalho explorando os livros de imagem. Mostro as ilustrações e depois exploro o texto sem palavras. É de arrepiar o pelo! As turmas mais bagunceiras ficam em silêncio vendo as ilustrações passarem e querem demonstrar que entenderem a história. Tenho uma salinha só com os apetrechos: caixas, cineminhas, cenários, flanelógrafo,etc.  Os livros são explorados com diferentes recursos e matariais.

Cada vez que chega livro novo faço exposição, ampla divulgação, cartazes, exposição de tela, bordados,etc...

Trabalhar na biblioteca faz renascer em mim meu lado criativo e passei a colocar meus projetos em ação, aos poucos. Mas hoje posso dizer que o espaço da biblioteca é o melhor espaço para as crianças. É o ponto de encontro. Procuro inovar, dar vida para o espaço.

O projeto ‘’EU CONTO, TU CONTAS’ é um sucesso. Vou avaliando e as respostas me realizam. Até os alunos da 6ª série adoram ouvir histórias. Os alunos me dizem: prof. tem que continuar ano que vem. Com certeza tudo o que deu certo vamos continuar. No inverno fiz, a sopa de pedras do Pedro Malassartes, O chá das 17 horas,  era uma tarde fria... Das delícias todos provaram e o feitiço mesmo é a  imaginação ....estava quentinho e não tinha fogão....

 A leitura do livro O rei que tinha orelhas de burro  foi um sucesso. QUEM SONHA ACORDA, A FADA QUE SOLUÇAVA, vieram com CD. Coloquei num amplificador, fiz uns visuais bem coloridos. Preparei um estander para expor as ilustrações,  um espaço privilegiado com cadeiras estofadas e um ambiente bem agradável...era só curtir....da primeira até a sétima série adoraram...e eu mais ainda. Sem contar que tivemos histórias com fantoches e convidados especiais.

O destaque, em 2010, foi o projeto EU CONTO, TU CONTAS. Todos os alunos que contaram histórias foram agraciados com um livro contendo uma dedicatória.

Tudo isso com o objetivo de formar o gosto pela leitura , a paixão de ler e sentir que é bom...é interessante e necessário.













 O Projeto EU CONTO, TU CONTAS envolve cinquenta títulos de literatura infanto-juvenil, dentre os quais:











terça-feira, 7 de setembro de 2010

Educadores: memórias literárias e práticas leitoras em classe

Joelma Magrinelli Susin atua como professora há treze anos. Nesse tempo, lecionou para crianças do ensino fundamental, em diversas escolas públicas da região oeste de Santa Catarina.Trabalha, atualmente, como coordenadora pedagógica  no Centro de Educação Infantil Estrela do Amanhã, no município de Zortéa/SC. Joelma formou-se em Pedagogia pela Unoesc e fez pós-graduação em Educação Infantil. Gentilmente aceitou compartilhar suas memórias de leituras e sua experiência como mediadora de leitura.

Como foi a sua relação com os livros na infância? Como o descobriu? Quem a incentivou a ler?

Até os seis anos de idade, período que antecede a entrada na escola, morei no sítio com minha família (pai, mãe e dois irmãos).Tive uma infância tranquila e humilde, com poucos brinquedos, mas com espaço maravilhoso para brincar, muito amor e carinho recebido dos meus pais. Relacionava-me pouco com outras crianças, além dos meus dois irmãos. Aguardava ansiosa o momento de entrar na escola que, para mim, representava algo mágico.

Quando completei cinco anos, meu irmão começou a frequentar a escola e, em casa, começou a realizar as atividades escolares, às quais eu queria fazer também. Então, a partir deste momento comecei a ter contato com o material escolar dele, inclusive com uma cartilha que, para mim, era algo fabuloso, pois eu nunca tinha visto um livro antes. Ele faltava bastante às aulas, pois morávamos seis quilômetros longe da escola e era preciso ir a cavalo. Minha mãe auxiliou no processo de alfabetização dele com muita dedicação, embora ela tivesse simplesmente completado a quarta série do primário.

Em nossa casa não existia nenhum livro, apenas uma pasta de meu pai com revistas estilo Globo Rural, mas que não podíamos mexer. Ouvíamos histórias, contadas por meus pais, à noite, ao redor do fogo, as quais eles tinham ouvido de nossos avós. Nesta fase, estas histórias realmente eram uma necessidade para nós, era maravilhoso ouvir. Referiam-se a fatos folclóricos e tinham a função de ensinar-nos algumas lições, sobre o que poderíamos ou não fazer. Meus pais eram bastante protetores e tinham muito necessidade de impor limites.

Neste mesmo ano, algo surpreendente aconteceu: recebemos a visita de um tio, que era professor e até hoje é muito especial para nós. Meu irmão, que já frequentava a escola recebeu como presente seu um pacote com várias literaturas maravilhosas, nunca vistas antes, pois até então eu só conhecia a cartilha. Jamais esquecerei os títulos, aliás, nem meus irmãos esqueceram: "O Patinho e a Pena", "Pinote o Fracote e Janjão o Fortão", "A Zebrinha", "O Gato do Mato e o Cachorro do Morro", "O Jogo do Contrário". Minha mãe lia e relia para nós, criávamos histórias ,manuseávamos os livros diariamente. Este presente marcou muito minha vida. Lembro-me de sentimentos que os fatos das histórias despertavam em mim que,  até hoje, se eu olhar as imagens, ou ler trechos das histórias, volto-me à infância. Encontrei estes mesmos livros numa escola, quando comecei a lecionar e foi realmente mágico, não tive como conter as lágrimas. Foi como se eu tivesse reencontrado um tesouro precioso perdido, realmente muito valioso. Considero esta a primeira sementinha que foi plantada em minha infância, antes da escolarização, que permitiu-me o primeiro contato com o mundo maravilhoso da leitura, pois pude sentir o primeiro gostinho da delícia que é manusear os livros e ouvir histórias.

De que modo que a escola auxiliou você a criar uma memória de leituras? Seus professores eram leitores? A escola tinha uma biblioteca atualizada, com bons acervos e atendentes dinâmicos? Houve algum mestre, em especial, que influiu na criação de sua memória de leituras?

Iniciei a 1ª série do primário em uma escola multiseriada, tendo como base teórica uma linha pedagógica extremamente tradicional. As estratégias se restringiam à cópia de letras e palavras. A professora não contava histórias, apenas lia pequenos textos, de três a quatro linhas, utilizando uma régua para que seguíssemos sua leitura.
A partir do 2ª semestre estudei na E.E.B. Major C. Rodrigues de Almeida (Zortéa) e lembro-me de uma cartilha maravilhosa do “Barquinho Amarelo”. Líamos um trecho por dia e era uma delícia. A professora D. Elza Mello era leitora e gostava muito de contar histórias para os alunos.
Nos anos seguintes, utilizávamos livros didáticos para a realização das atividades e havia muitos textos interessantes. Lembro-me que eu amava quando a professora permitia que trouxesse o livro para casa, pois assim eu podia adiantar a leitura dos textos seguintes. Posso citar como textos marcantes desta época “O Bosque Encantado”, “A Galinha dos ovos de ouro”, o poema “A bailarina”, “João e o pé de feijão”, “O pato”, dentre outros.
Um fato marcante, e que considero um incentivo à leitura, foi uma premiação que recebi ao término da 2ª série, por ter sido classificada entre os quatro melhores alunos da turma: o prêmio era um livro, intitulado “A Ilha Perdida”, com uma história maravilhosa, pois transmitia o entendimento sobre as relações econômicas, físicas e sociais de um país, sempre com exemplos concretos. Nesta época, não sei se a escola dispunha de biblioteca, acredito que sim, porém nunca fomos visitá-la ou sequer levávamos livros para realizarmos a leitura em casa.
Durante o ginásio, estudamos na “Escola Nova”, reconstruída, pois a antiga havia sido devastada pelo vendaval. Foi um período de pouco incentivo à leitura. Os professores utilizavam a leitura de textos, como pretexto para trabalhar a gramática. Não havia incentivo à leitura de livros diversos. Lembro-me que eu freqüentava muito a biblioteca da escola, que não tinha atendente, e lia bastante em casa. Gostava muito de livros de aventuras, que despertavam o sentimento de liberdade, o senso de justiça e solidariedade. Lembro-me de uma professora que leu “O Joelho Juvenal” (Ziraldo) e solicitou que fizéssemos o reconto. Esta atividade foi muito prazerosa e marcante, pois sempre amei escrever.
Freqüentei o Ensino Médio no C.E. Mater Dolorum (Capinzal), no Curso de Educação Geral, e tive incentivo à leitura através da professora Mariliza Gasparetto que, com sua doçura, trabalhava a história da literatura, através de bons textos e dicas de leitura. A biblioteca era maravilhosa, nunca tinha visto algo tão espetacular: estantes com livros dispostos e organizados por gêneros, a bibliotecária sempre sorridente e conhecedora das obras. Nesta fase, gostava muito de ler as crônicas da Revista VEJA, era hábito, lia todas.
Finalizando o Ensino Médio, por questões financeiras, fiz Magistério, pois não pude ingressar na faculdade. Iniciei a leitura teórica no campo educacional, onde me identifiquei muito. A escola realizava muitas ações de incentivo à leitura; os professores eram grandes leitores, dinâmicos e criativos. Eu também amava ler literatura infantil, estudamos muito sobre as formas de contar histórias para as crianças e sua importância no mundo infantil. (Lia muitas histórias infantis para minha irmãzinha, que tinha cinco anos).
Nesta época, talvez por já ter desenvolvido uma visão mais crítica e autônoma, por questão de maturidade, comecei a perceber a real função e importância da leitura na vida das pessoas.
Qual foi o lugar dado à reflexão sobre as questões da formação de leitores, da importância do livro e da leitura em seu curso de graduação? E qual foi o lugar dado à literatura infantil e juvenil, no currículo de sua formação?

Cursei o Ensino Superior na Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, curso de Pedagogia. Os professores, de forma geral, sempre fizeram uso da leitura como estratégia metodológica das disciplinas, alguns de forma mais intensa, outros menos. Acredito que durante minha formação acadêmica sempre ocorreu incentivo à leitura, sendo esta base para todo conteúdo trabalhado.
Algumas disciplinas nos favoreceram a reflexão sobre a nossa função, enquanto educadores, em desenvolver ações que visem a formação de alunos leitores, capazes de agir na sociedade com autonomia e criticidade.
Durante o curso tivemos contato freqüente com a literatura infantil, embora no currículo conste somente uma disciplina de “Literatura Infantil”, ministrada pelo professor Peter O’ Sagae. Esta disciplina foi marcante, pois aprofundei o conhecimento acerca da importância da leitura, conhecendo uma nova forma de ensinar.



Como descobriu a poesia infantil para si mesma e para seus alunos?

Sou leitora e gosto muito de poesia, especialmente dos poemas infantis. Concebo-os como textos gostosos de ler, que se saboreia aos poucos e que vêm carregados de muita sensibilidade, sabedoria e imaginação. Enquanto professora fazia uso, quase que diariamente, dos poemas infantis: era o tempero para os meus planos de unidade. As crianças gostam muito; a leitura de poemas amplia o próprio vocabulário, instiga a criatividade, estimula o gosto pela escrita. É uma prática maravilhosa.
Descobri a poesia infantil na graduação, com um professor de Literatura Infantil, que trabalhou conosco de uma forma maravilhosa. Nesta época li muitos poemas e, inclusive, selecionei o poema “Experimente”, do livro “Uni Duni Téia” para realizar uma análise. Comecei a introduzir a poesia com maior freqüência em meu planejamento.
A meu ver, as escolas deveriam desenvolver ações que promovessem o gosto pela leitura, atingindo também os pais. É um trabalho sistemático, que requer tempo, dedicação e os frutos são colhidos a longo prazo: talvez por este motivo as escolas, de forma geral, fazem pouco uso da poesia. Penso que os professores deveriam ler mais. É preciso ser leitor para instigar o gosto pela leitura. Acredito muito na idéia de que o professor ensina a partir da própria vivência.
Acredito que estimular a criança a encontrar o prazer na leitura é papel da escola, uma vez que a família, infelizmente, não o faz. Esta ação é, acima de tudo, nossa função social, sabendo da importância da leitura para a vida do ser humano, na formação de sua autonomia e criticidade. E é por este motivo que vale a pena ser professor

Como professora, você lecionou para várias idades. Como foi o trabalho com leitura nas diversas turmas em que você atuou?

Sempre procurei inserir a leitura na metodologia de trabalho, buscando estimular os alunos a gostarem de ler e, na Educação Infantil, a apreciarem a leitura.
De acordo com a minha experiência profissional, as ações de incentivo à leitura trazem resultados mais imediatos na Educação Infantil e Séries Iniciais. As crianças adquirem o gosto pela leitura de forma que o trabalho torna-se gratificante ao professor, enquanto que nos demais níveis os alunos já demonstram outros interesses. Quem é leitor permanece pela vida afora. O professor deve ser muito persistente e utilizar estratégias diversificadas. Assim, defendo a idéia de que os estímulos à leitura devem acontecer já nos primeiros anos de escolarização.
Durante estes anos como professora, ouvi muitas e muitas vezes os alunos de Educação Infantil pediram para recontar a história ou o poema, e é muito gratificante perceber os olhos das crianças fixos no livro, por gostarem da leitura; visitar a biblioteca com as crianças das Séries Iniciais e perceber que elas gostam, trocam idéias sobre livros e pedem dicas de leitura; organizar um recital de poesia na sala; trabalhar com diferentes tipos de textos, todos estes são momentos muito especiais.
Particularmente, amo literatura infantil e juvenil e já contei histórias infantis inclusive para o Ensino Médio. Meu prazer maior, enquanto professora e mãe, é de estimular “nossos pequeninos” a apreciarem a leitura, começando com as turmas do berçário, que já desenvolvem a leitura visual de imagens.


Como você e seus alunos se relacionam com a biblioteca e qual é a importância deste espaço para seu trabalho como professora?

A biblioteca escolar é um espaço especial e o livro um recurso que promove o contato do leitor com o mundo que nos cerca. O livro é produção cultural, é comunicação, diversão e informação. Estes conceitos devem ser trabalhados na criança, para que reconheça a importância do livro e da biblioteca escolar.
Nem sempre trabalhei em escolas com bibliotecas que possuíssem um bom acervo, infelizmente. Porém, sempre procurei valorizar o espaço que a escola dispunha, para que os alunos pudessem aproveitá-lo ao máximo.
Acredito que a biblioteca é o 1º espaço que o professor deve visitar ao iniciar seu trabalho numa determinada escola. Pelo menos é o que eu sempre fiz. E como é gostoso visitar a biblioteca e transmitir para a criança esta sensação maravilhosa que o contato com o livro nos traz.
Trabalhei em uma Escola Isolada, de pré-escola, por três anos, onde a biblioteca era uma estante velha de madeira, na própria sala de aula. Para diversificar, eu trazia literaturas emprestadas de outras escolas. O momento mais prazeroso da aula era a hora de fazer a rodinha no cantinho da leitura para ouvir histórias. As crianças gostavam muito. Neste ano, surgiu a idéia da “sacolinha do conto”, sendo que as crianças levavam para casa e os pais liam para elas, o que deu um resultado muito bom.




Você diz muito bem: “ é preciso ser leitor para instigar o gosto pela leitura”. Além do acesso ao livro, ( sabemos que somente isto não basta), quais são as dicas da professora e leitora Joelma M. Susin para a criação de uma tradição de leitura, de uma cultura de leitura forte e maciça em uma vila, em uma  cidade, em um  Estado, em um país?



A tarefa que compete a nós, profissionais da educação, não é fácil, mas também não é impossível. A primeira dica que considero imprescindível é o comprometimento do professor em desempenhar a sua função  de estimular o aluno a gostar de ler e reconhecer a importância da leitura para sua vida como uma necessidade.
Os projetos de leitura, envolvendo toda a escola,  são muito válidos, mas precisam ser contínuos, pois os frutos são colhidos a longo prazo.
Outro aspecto fundamental é a biblioteca escolar. A biblioteca escolar deve ser um espaço valorizado pelo professor, visitado freqüentemente e bem aproveitado. É preciso convidar os pais para que visitem a biblioteca escolar, mostrando-lhes a importância da leitura para a vida do indivíduo.
É indispensável que a escola trabalhe em parceria com a família e possibilite aos pais momentos que envolvam a leitura de diferentes tipos de textos, juntamente com as crianças, ou através de encontro de pais na própria escola. A criança precisa ver os pais lendo, para também gostar de ler, lembrando que suas ações se espelham nas ações da família, como primeiro grupo social de convívio e, posteriormente, na escola.
Neste ano, adotamos os textos informativos para os pais, que lhes são enviados semanalmente, na agenda dos filhos, para que os pais leiam e assinem, lembrando que a agenda escolar é o vínculo de comunicação entre a família e escola. Os textos referem-se às atitudes que os pais devem ter nas relações familiares, a respeito da fase na qual a criança se encontra. É uma forma de favorecer informação aos pais, trabalhar em parceria e promover-lhes um momento de leitura, onde estarão desenvolvendo esta habilidade e os filhos participando deste momento.
Na escola pública, os estímulos devem ser muitos e, com certeza, os professores precisam fazer também o papel da família e ir além, resgatando os pais neste trabalho.
Como surgiu, como funciona o Projeto de leitura “Sacolinhas do Conto” que você desenvolve com suas classes?

O projeto “Sacolinhas do Conto” surgiu no ano de 2005, quando trabalhava como professora de Educação Infantil numa escola de interior, como citei anteriormente. Acredito que o professor precisa fazer o diferencial na vida das crianças, promovendo-lhes a interação com o mundo que as cerca.
Nesta época, as crianças levavam para casa a sacolinha uma vez por semana, sendo que cada aluno tinha a sua. Pedi pra minha mãe confeccioná-las para mim. Os alunos ficaram muito contentes. Os pais contavam as histórias para as crianças, que faziam o reconto na sala de aula.
Atualmente, em 2010, decidi retomar este trabalho como ação que faz parte do meu projeto na coordenação pedagógica “Estimulando o gosto pela leitura na Educação Infantil”. Cada turma tem uma sacolinha e cada dia um aluno é sorteado e a leva para casa, para que seus pais, avós, tios, contem para os mesmos as histórias. Na escola, as professoras organizam uma dinâmica para que a criança reconte a história que ouviu. Este recurso nos trouxe bons resultados; ouvimos depoimentos de pais que nunca tinham contado histórias para os filhos e que experimentaram como é maravilhoso este momento. As crianças aguardam ansiosas o sorteio da sacolinha para poderem levar o livro para casa.
Deste projeto ainda fazem parte outras ações, tais como: momento da leitura na sala de aula, como estratégia do professor, dramatizações dos alunos, através de poemas e histórias , apresentações dos professores, utilizando histórias, e estamos organizando a I Noite Literária da Educação Infantil, prevista para setembro, onde as crianças e professores farão apresentações de literaturas para seus pais.

Um livro inesquecível....
Vou citar "Capitães de Areia", que li aos 16 anos, época em que comecei a refletir sobre as questões sociais de nosso país, as diferenças que tanto nos afligem.

Mais tarde, encantada com a profissão, a leitura de "Pedagogia da Autonomia", de Paulo Freire foi fantástica! Foi um diálogo com o autor, que falava justamente o que eu queria ouvir.






                                              

terça-feira, 4 de maio de 2010

Na Sala com a Profa. Maria da Glória Bordini/UFRGS

Entrevista publicada nO BALAINHO - jornal de LIJ da UNOESC - em novembro de 2008
B – Como a sra. vê o panorama atual da literatura para crianças e jovens no Brasil?
Maria da Glória – A indústria editorial brasileira tem incrementado sua produção para crianças e adolescentes a cada ano, e devo confessar que a qualidade gráfica melhorou sensivelmente. Hoje temos autores vivendo de direitos autorais e um naipe de ilustradores que não ficam atrás de ninguém no exterior. As tiragens são elevadas, o número de títulos também, o que nos coloca numa posição invejável entre os países em desenvolvimento. Os problemas, entretanto, continuam repetitivos: a demanda não corresponde à oferta,por limitações econômicas do público, e a oferta, por sua vez inclui inumeráveis títulos cuja qualidade deixa muitas dúvidas. Os dois problemas exigem uma seleção mais criteriosa, que os agentes intermediários entre a criança e o livro poucas vezes conseguem efetuar, em virtude de sua formação cultural deficiente.B – Até que ponto a literatura infantil superou as marcas de origem, que a ligaram mais à pedagogia do que à arte?
Maria da Glória – A moderna literatura infanto-juvenil brasileira continua entregando às crianças dois tipos de obras: as que mal e mal ficcionalizam valores e informações considerados importantes por setores do universo dos adultos, e as que põem a arte acima de considerações pedagógicas e procuram dialogar sinceramente com o mundo infantil, reconhecendo e respeitando suas diferenças e valorizando suas características. Nos nossos melhores autores, assim como entre os bons escritores estrangeiros traduzidos, há uma sintonia fina entre autor-adulto e leitor- criança, tornando as obras ocasião de divertimento, atividade intelectual e emocional e crescimento pessoal. Essa espécie de autor descortina mundos como poderiam ou deveriam ser, eventualmente os simula como são, mas não “leciona” ideias aos jovens leitores.

B – Em que medida as publicações sob encomenda, direcionadas para o mercado escolar, prejudicam a “saúde estética” da LIJ?
Maria da Glória – Deve-se fazer uma distinção entre literatura paradidática e literatura infanto-juvenil. É conveniente e agradável para o aluno encontrar conceitos e dados científicos apresentados em linguagem atraente, com boas ilustrações etc, podendo até, na dependência do assunto, haver narratividade. O texto literário para crianças é de natureza diversa. É feito para ser apreciado esteticamente e não deveria confundir-se com o paradidático ou, mesmo, o didático. O prefixo “para”, no caso em pauta, significa “ao lado de”, um texto auxiliar da aprendizagem formal – nada tem a ver com literatura, que não quer ensinar. Sejam quais forem as funções sociais da literatura infanto-juvenil, entre elas não está o ensino. O meio escolar, entretanto, parece indeciso entre essas duas espécies de textos, o que acaba afastando o jovem leitor da literatura em si. Não é incomum, entre crianças e até entre adultos, a rejeição ao literário, por sua “inutilidade”, de modo que o prejuízo vem muito mais de uma mentalidade alimentada pela sociedade pragmática que nos modela do que da existência do paradidático em si.Cor do textoB – Ao seu ver, como é possível combinar a experiência estética com o ambiente escolar?
Maria da Glória - Onde, na sociedade brasileira atual, a grande massa de crianças pertencentes às classes desprivilegiadas terão experiências estéticas de valor se não for na escola ou em espaços recomendados por professores? Às famílias, quando muito lhes oferecem espetáculos televisivos em que o elemento arte é mais raro do que animais em extinção. Sem uma orientação escolar, a criança não irá freqüentar uma biblioteca, um museu, um teatro, estes últimos no caso de poder pagar o ingresso. A natureza é a experiência estética mais acessível, mas para essas classes, o natural vem poluído, sujo, enfeado. Portanto, se a escola não consegue propor experiências estéticas, esses alunos não as terão facilmente. E, afinal, não é tão difícil assim. Sempre há lugar na escola para histórias e poemas, livros com pinturas e esculturas, música erudita e popular, vídeos com filmes e documentários de elevado nível artístico, assim como devia haver aulas para aprender a tocar instrumentos, desenhar e pintar, fazer balé ou teatro. As escolas não se valem desses espaços simplesmente porque se acomodam, a pretexto de que o tempo não basta nem para ensinar as disciplinas informativas. Quando pensam nas artes, é para usá-las em benefício dessas disciplinas, mas essa já é outra vez a atitude utilitária, que mata o prazer estético.B – O que contribui para que um Estado consiga criar uma tradição forte de leitura, de valorização e paixão pela literatura, como ocorre em seu Estado, o Rio Grande do Sul?
Maria da Glória – Nossa experiência cultural, na área da literatura, se deve a uma aliança entre a Universidade, a escola e o circuito de produção do livro, assim como a um desejo de auto-afirmação dos gaúchos. Nas nossas universidades houve grupos de pesquisa que se dedicaram a pensar o ensino de literatura, a literatura infantil e a história literária regional ( os mais atuantes se originaram a partir do trabalho de anos da Profa. Regina Zilberman). A produção desses grupos repercutiu sobre a área escolar, mobilizou professores participantes das pesquisas, além de formar novos professores especialistas em textos para crianças, que multiplicaram esses conhecimentos. Resultados de pesquisas chegaram às editoras, alguns vieram a tornar-se livros e manuais, valorizando assim os autores locais, que foram registrados 3 comentados em livros de crítica e história da literatura. As escolas se valeram desses livros, unindo-se a elas o esforço de nosso Instituto Estadual do Livro, que veiculou essa produção crítico-histórica e promoveu a edição de autores esgotados e novíssimos, aumentando o número de obras em circulação e atingindo o in terior. A presença de autores da região, associada ao estímulo à leitura na escola e àquele preconceito que leva os gaúchos a se acharem ao mesmo tempo os mais bravos cidadãos e os mais ignorados pelo centro do país, determinou um aumento substancial de leitores jovens, os quais se tornaram adultos à sombra desse circuito cultural e constituíram o grande público que continua a promover a literatura e a leitura no rio Grande do sul. O importante é que as principais lideranças nesse processo não desistiram e nunca confiaram apenas na máquina do estado para promoverem a leitura.B – Qual é a sua avaliação sobre as políticas de leitura implementadas em nosso país?
Maria da Glória - Já houve muitas e louváveis políticas de leitura em âmbito federal e algumas poucas em âmbito estadual e municipal. Livros de literatura foram criteriosamente selecionados por equipes de especialistas e, publicados em vastas tiragens, deveriam ter alcançado crianças em todo o país. É claro que, nessa escala, nem tudo poderia dar certo. Houve corrupção promovida por editores visando à aprovação de seus títulos, houve barreiras burocráticas que deixaram livros empacotados em salas de escolas porque não havia biblioteca escolar, houve escolas não-beneficiadas, houve professores que preferiram não entregar livros aos alunos porque poderiam se estragar, mas não se pode negar que, desde os anos trinta, o Estado tentou promover campanhas de leitura cuja eficiência foi pontual e restrita. Levando em conta a expansão territorial do País, o problema é alcançar universalmente escolas e comunidades, no que os estados e municípios têm grande parcela de culpa, pois não promovem a leitura em sua esfera de atuação.B – Quem é o leitor hoje?
Maria da Glória - Se falarmos em leitor infantil, é o menino ou menina bem alfabetizados, a quem um professor leitor ( ou eventualmente uma família), interessado na cidadania cultural, levou a gostar de ler e a perceber que no escrito está a memória de todo o universo do conhecimento e da aventura humana. Esse leitor não está inserido numa classe social definida: pertence a qualquer camada que consiga acesso, seja pela compra ou pelo empréstimo, a livros cuja leitura seja empolgante, intelectual e/ou emocionalmente.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

NA SALA COM A PROFESSORA TÂNIA RÖSING



Por Fabiano Tadeu Grazioli*
Fabiano Você é atualmente uma das pesquisadoras de maior destaque na área da leitura no Brasil. Poderia falar-nos um pouco sobre a sua trajetória profissional?
Tânia Sou formada em Letras e Pedagogia-Suprevisão Escolar. Tenho Especialização em Metodologia do Ensino Superior. Concluí Mestrado e Doutorado em Letras – Teoria Literária na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Minha dissertação de mestrado foi publicada pela Editora Mercado aberto com o título: “Ler na Escola: para ensinar literatura no primeiro, segundo e terceiro graus”. Preocupei-me, nesse momento, em avaliar o desempenho de licenciandos em Pedagogia nas Séries Iniciais e o de licenciandos em Letras, atuando de quinta a oitava séries com atividades de leitura. Constatei o melhor desempenho dos alunos de Pedagogia onde demonstraram um maior comprometimento com a seleção de obras adequadas para seus alunos, com a exploração da leitura rumo à emancipação desses leitores, o que aconteceu muito raramente com os estagiários de Letras. O resultado foi um entusiasmo menor pela leitura demonstrado pelos alunos de Letras e pelos alunos de quinta a oitava séries do que pelos alunos de Pedagogia e dos alunos das séries iniciais. A tese de doutoramento foi publicada pela Editora da Universidade de Passo Fundo com o título: “ A formação do professor e a questão da leitura”.
Preocupei-me em trabalhar com professores responsáveis pela disciplina Prática de Ensino na Universidade que atuaram com alunos de quatorze licenciaturas. Meu desejo era conhecer o conceito de leitura que defendiam em suas aulas de leitura de textos nas diferentes áreas do conhecimento, inclusive, procurando identificar o que abrangia texto para esses profissionais. Foi muito interessante a reação desses colegas de Universidade que não mediram esforços para colaborar enquanto sujeitos da pesquisa que gerou a tese.
Antes disso, no final dos anos 70, já na condição de professora da Pedagogia-Séries Iniciais, solicitei ao Diretor da Faculdade de Educação, PE. Eli Benincá, que começasse a comprar livros de literatura infantil e juvenil para levarmos aos alunos da Pedagogia e para levarmos às praças públicas a fim de estimular o envolvimento de crianças e de adolescentes com esse tipo de livro.
Assim, como leitora que sou desde a primeira infância, onde ouvi os primeiros contos emergentes de histórias bíblicas contadas por minha mãe Mercedes, o que certamente ampliou meu imaginário, minha sensibilidade, tenho dedicado minha vida profissional e pessoal à formação de leitores, o que se constitui num grande objetivo e numa perspectiva de vocação num país que se constitui de dois Brasis: um que lê e outro que não lê.

Fabiano – As Jornadas de Literatura de Passo Fundo são um evento ímpar no cenário nacional e é impossível lembrar delas e esquecer de sua idealizadora. Embora você sempre deixe claro que as Jornadas são resultado do trabalho incansável de uma equipe, é de conhecimento público o seu empenho, a sua “batalha” para conseguir, a cada dois anos, que ela aconteça com o brilho e vigor que lhe são característicos. Fale-nos da trajetória das Jornadas e das dificuldades em tornar esse evento realidade.

Tânia - Inicialmente, as dificuldades estavam no comprometimento de os autores convidados participarem do evento, mesmo sabendo que seus livros já haviam sido lidos pelos participantes. Também não havia envolvimento das editoras.
Com o crescimento em tamanho e em complexidade das Jornadas, as inscrições que, até 1988, cobriam o custo do evento, passaram a não mais serem suficientes para enfrentarmos os custos. A partir de 1991, solicitamos ao então prefeito municipal Aírton Lângaro Dipp para que assumisse 50% do custo das Jornadas, o que passou a acontecer. Com a chegada das Leis de Incentivo à Cultura, tanto no Rio Grande do Sul como o mecenato no Ministério da Cultura, passamos a ter o apoio de empresas que estavam convencidas a não retirar de Passo Fundo o montante de ICMS que pagavam ao governo estadual, nem o Imposto de Renda que enviavam ao governo federal para contribuir com as Jornadas. Essas leis têm sido fundamentais para a sustentação da movimentação cultural.
Hoje, as Jornadas e todos os seus desdobramentos são reconhecidos nacional e internacionalmente, temos muitos parceiros entre empresários, o SESC Nacional, empresas estatais, editoras. Temos o compromisso de manter a movimentação cultural permanente e de realizar o ápice desse movimento a cada dois anos, com qualidade, originalidade, celebrando a literatura, as artes, os escritores, os ilustradores, os artistas.

Fabiano - Em que aspectos as Jornadas de Literatura de Passo Fundo se singularizam frente aos outros eventos relacionados aos livros, à literatura e à leitura realizados no país?

Tânia – Desenvolvemos uma metodologia diferenciada: no momento que antecede cada Jornada, cada Jornadinha, desenvolvemos uma movimentação - Pré-Jornada, Pré-Jornadinha – que divulga obras dos autores convidados, estimula a leitura, a realização de debates, de trabalhos sobre os mesmos. Atualmente, para os autores da Jornada, desenvolvemos um fórum on-line, viabilizando o contato dos internautas com seus escritores preferidos.

Fabiano - O Mundo da Leitura é um projeto ímpar no que se refere à Leitura e Formação do Leitor no contexto da cibercultura. Poderia informar aos leitores quais são os princípios deste espaço e quais as principais diferenças nas metodologias empregadas nas sessões de leitura do Mundo da Leitura em relação à escola tradicional?

Tânia – Desde as Jornadas que geraram a criação do Mundo da Leitura ( 1997) desejamos formar leitores que apreciem os textos literários e possam entender, interpretar, também, as manifestações das linguagens artístico-culturais. O Mundo da Leitura é um laboratório do curso de Letras e do programa de Pós-graduação em Letras. A equipe interdisciplinar é formada por professores e pesquisadores e por monitores de diferentes áreas do conhecimento. Desenvolvem-se nesse espaço práticas leitoras – ações de leitura promovidas nas visitas agendadas. As atividades, vivenciadas por alunos e professores e envolvendo diferentes linguagens ( verbal, musical, dramática, entre outras) em suportes diversos ( livros, CD-ROM, DVD, fitas de vídeo etc.), têm sido o diferencial em relação às atividades de leitura.
Os monitores do Mundo da Leitura apresentam e incentivam a leitura dos diferentes tipos de textos do acervo do Mundo da Leitura.

Fabiano – Quais são os principais equívocos observados nas metodologias de leitura e no manejo do texto literário na escola brasileira, instituição que, em um país com baixos índices de leitura tem como uma das funções principais promover o encontro significativo entre obras literárias e leitores?

Tânia – O maior problema enfrentado no Brasil é o fato de grande número de professores, de bibliotecários, de pais não serem leitores. Você só pode estimular a leitura se você é um leitor. É imprescindível que sejam realizados cursos de formação contínua para professores, para responsáveis por bibliotecas, pelos bibliotecários propriamente ditos a fim de que possam ampliar seu conhecimento, sua cultura, sua sensibilidade. Os pais também precisam comprometer-se com a educação sintonizada com a cultura no desenvolvimento de seus filhos.

Fabiano – Além de estar à frente das Jornadas de Literatura de Passo Fundo e do Mundo da Leitura você também é professora do Mestrado em Letras da UPF. Ao seu ver, qual é a contribuição que os estudos acadêmicos na área de Letras têm a oferecer à realidade da leitura e da formação do leitor em nosso país?

Tânia - Defendo a idéia que as dissertações de mestrado devem contribuir para a melhoria do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Realizar investigações que interessem somente a cinco ou seis pessoas é uma irresponsabilidade dos orientadores e dos mestrandos. No Brasil, não podemos nos dar ao luxo de estudar o “sexo dos anjos” quando existe um grande número de analfabetos funcionais e uma grande massa de analfabetos culturais. Precisamos realizar investigações que levem as pessoas a ler mais poesia, narrativa, teatro. Esse é o nosso compromisso. Investir tempo e dinheiro para não contribuir com o aprimoramento do ensino é inaceitável.

Fabiano – Como você caracteriza a Literatura Infanto-Juvenil produzida hoje no Brasil? Que projetos editoriais, autores, ilustradores e obras destacaria?

Tânia – Estamos vivendo um momento ímpar na qualidade das produções editoriais brasileiras para o público infantil e juvenil. Além disso, em meio a uma produção de baixa qualidade, há uma produção significativa de qualidade, obras emancipadoras, capazes de valorizar o leitor-criança, o leitor pré-adolescente, o leitor adolescente, o leitor adulto. Cito três indicadores para verificar o que existe de qualidade no país : o Prêmio Jabuti e a concessão de Altamente Recomendável pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, o Prêmio Barco a Vapor, dentre tantos outros.


Entrevista publicada na edição número 37/nov/2008, de O Balainho, Jornal de LIJ da Universidade do Oeste de SC-UNOESC.